Maria Angela Holguin (*)

A recente sentença da Corte Internacional de Justiça sobre a controvérsia territorial e marítima entre a Nicarágua e a Colômbia criou mais problemas do que os que estavam por resolver.

Embora a Corte tenha reconhecido a soberania colombiana sobre todas as ilhas e ilhotas em disputa, deu-lhes um tratamento diferenciado, desconhecendo a unidade histórica, geográfica e jurídica do arquipélago colombiano de San Andrés, localizado no coração do Caribe ocidental, e deu à Nicarágua os direitos econômicos sobre as águas onde a Colômbia os exercia.

A Corte começou determinando a área relevante para a delimitação e a fixou em 200 milhas das costas nicaraguense, que constituiria a Zona Econômica Exclusiva da Nicarágua, se não existisse o arquipélago de San Andrés. As ilhas se encontram um pouco mais de 100 milhas do litoral nicaraguense o que, conforme o direito marítimo, também dá direito à Zona Econômica Exclusiva e Plataforma Continental. A Corte negou este direito à totalidade do arquipélago sem qualquer justificativa.

A Corte traçou uma linha média provisória entre as costas opostas das partes entre a linha costeira nicaraguense e o arquipélago colombiano de San Andrés, e em seguida passou a examinar as circunstâncias que demandaram o ajuste, como fez em outros casos. Partiu de um pressuposto certo de que há uma diferença entre a longitude das costas das partes na proporção 1:8.2, mas no ajuste da linha tomou uma decisão sem precedentes. A Corte considerou que as ilhas colombianas recortam a projeção do litoral nicaraguense, como se estas não tivessem em princípio os mesmos direitos que o litoral. Novamente não lhe importou nem a integridade do arquipélago nem as ilhas.

A combinação destes dois fatores fez com que a Corte ajustasse a linha arbitrariamente, aplicando um critério equivocado de proporcionalidade. Efetivamente trabalhou sobre a base de cálculos matemáticos ao traçar duas linhas retas ao longo dos paralelos ao norte de Providencia e ao sul de San Andrés e das ilhotas adjacentes, prolongando-as até as 200 milhas do litoral nicaraguense. Com isto ficou descartada a unidade territorial das ilhotas de Quitasueño e Serrana com o resto do arquipélago. A sentença da Corte rompeu também, no arquipélago, a unidade da Reserva de Biosfera Seaflower, declarada pela Unesco em 2000. Mais agravante foi a separação de seus 80.000 habitantes das áreas em que desenvolvem trabalhos de pesca por séculos, das quais tiram o seu sustento. A Corte, figurativamente, construiu uma parede entre o quarto de uma casa e sua cozinha. Deixou a despensa dos ilhéus em mares nicaraguenses.

A Corte decidiu redesenhar a geografia. Ao traçar uma delimitação que vincularia somente as partes em questão, e não outros países, na prática afetou os tratados da Colômbia com a Costa Rica e Panamá. Soma-se a esta decisão o tratado com Honduras, que já tinha sido afetado em seu julgamento anterior de delimitação com a Nicarágua. Abriu-se um sem número de conflitos entre os estados desta área do Caribe.

Este julgamento acabou com tratados de limites com terceiros, deixou vulneráveis os direitos ancestrais dos ilhéus, desrespeitou a reserva de biosfera declarada pela Unesco e passou por cima de um tratado vigente e válido (1928), com o qual se havia selado no seu momento a equidade. A Colômbia havia outorgado a soberania à Nicarágua da Costa Mesquita, e a Nicarágua reconhecia a soberania da Colômbia sobre o arquipélago com todas as suas ilhas e ilhotas, levando em conta que em direito internacional os direitos econômicos no mar são os da terra.

A Colômbia é e continua sendo um país respeitador de normas e acordos. Porém, o que não pode é deixar de manifestar sua inconformidade com falhas de apreciação que desconhecem a história, os tratados de limites, o direito à sobrevivência de seus cidadãos e a equidade como fonte de direito.

FONTE: O Globo, via resenha do EB

NOTA DO EDITOR: (*) a autora do texto acima é Ministra das Relações Exteriores da Colômbia

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