Turma de Marinheiros Echo II - EAMSC - 1986

A.E. JAMES WINNEFEL – USN

Assim como deixou claro o Marechal Montgomery, os marinheiros são
diferentes dos seus camaradas da Força Aérea e do Exército. Eles falam uma
linguagem própria, fazem perguntas diferentes, dão respostas diferentes,
suportam fainas pesadas com alegria e formam um clã especial.

Suas vidas são definidas por uma sucessão de comissões e eles formam um
intrigante amálgama de tradição.

Como podemos perceber a diferença entre os guerreiros das três forças? Por
que os marinheiros são tão diferentes?

Mesmo aqueles marinheiros que também são pilotos são diferentes de seus
colegas da Força Aérea. Também mesmo aqueles marinheiros que também são
soldados – e chamados de Fuzileiros Navais – são diferentes de seus
camaradas do Exército.

As respostas a estas questões têm suas raízes no ambiente no qual vivem e
lutam os marinheiros.

O soldado molda seu ambiente alterando seus contornos, explorando o
terreno, dominando-o com o poder de fogo, ou, quando tudo mais falha,
movimentando-se para outro ambiente.

O piloto é um acrobata que desafia a gravidade. O ar é um meio para a
liberdade. De sua posição vantajosa acima de seus colegas guerreiros, ele
dá grande ênfase na superioridade e no controle.

O marinheiro, por outro lado, está constantemente na presença de uma força
maior que ele mesmo. Ele sente o tempo através do balanço e do caturro de
seu navio. Uma vez no mar, não é uma questão simples voltar para a terra,
não há passeios no shopping, não existe energia de terra, não há telefone
para saber notícias, não há carteiro diariamente ou jornal para se manter
em contato com o mundo, não existe licença para aliviar as tensões de um
dia, e nem há a presença nem o conforto da família.

O piloto conquista seu ambiente, o marinheiro sobrevive nele. O soldado
molda e explora seu ambiente, o marinheiro deve se ajustar a ele.

O soldado depende de “armas combinadas”, o marinheiro precisa confiar em si
mesmo e no mundo limitado pelo seu navio. O soldado deve avançar ou
retrair, o marinheiro deve permanecer e lutar. Em tempos modernos, mesmo a
opção de se render está além do alcance dos marinheiros, ele luta e morre
com o navio – mesmo se o navio for um casco soçobrado em chamas abaixo de
seus pés.

Tais forças incutem no marinheiro uma combinação única de qualidade:
autoconfiança, respeito e atenção ao seu comandante, e um acentuado senso
de responsabilidade.

O comandante está na frente de batalha, e não nos quartéis-generais da
retaguarda; ele deve enfrentar o inimigo, pois está tão exposto como o mais
moderno marinheiro a bordo. Não existe retaguarda para um navio em combate.
Almirantes e marinheiros dividem igualmente o risco de enfrentar o fogo
inimigo ou a fúria de um temporal, pois estão, literalmente no mesmo barco.

Os espaços limitados de um navio de guerra – mesmo de um grande navio –
forçam a amizade entre seus tripulantes. Não existe lugar para se esconder.
As forças ou as fraquezas são logo descobertas e conhecidas. A capacidade
profissional do comandante está a vista à vista de todos, todo dia.

Uma atracação malfeita simplesmente não pode ser escondida dos
subordinados. Da mesma maneira, um comandante que mostra zelo pelo
profissionalismo, que tem especial atenção no trato com os subalternos, sem
no entanto deixar de corrigir as falhas que apareçam, é imediatamente
considerado um herói para todos. Um marinheiro a bordo não pode deixar de
participar das fainas, ao contrário de alguns pilotos que colocam suas
aeronaves “indisponíveis” na inspeção pré-vôo.

Um marinheiro deve estar preparado para as vicissitudes da natureza e do
inimigo, e em conseqüência ele deposita um grande crédito na prontidão e
na prudência. Ele se prepara para o improvável e até mesmo para o
impossível. Para seus pares de terra e ar, ele se parece muito conservador.

Para ele, as coisas importantes simplesmente precisam funcionar, e por isso
precisam ser simples. Ele ainda acha que os mastros são apêndices úteis –
mesmo após ter passado o tempo da Marinha a Vela – para estender seu
horizonte e como lugar para colocar seus equipamentos mais usados.

Ele aceitou o cabo de náilon, mas ainda existe um lugar especial no seu
coração para o cabo manilha. Aceitou a turbina a gás na propulsão de seus
navios, mas guarda ainda um lugar especial para o vapor. Realmente, suas
veias parecem estar cheias de vapor; no preparo do rancho, na transformação
de água salgada em água doce, para o aquecimento e, em alguns casos, para o
lançamento de aeronaves. Quase todos os navios de guerra têm vapor em seus
sistemas para o apoio à vida de bordo.

Por ser navio uma entidade completa, o marinheiro dá grande importância em
moldar suas ações de maneira independente dos outros navios e das bases.
Ele se recente quando sofre interferência de terceiros ao lhe dizerem como
conduzir duas tarefas, e está feliz quando o único navio, de horizonte a
horizonte, é o seu.

A presença de um navio mais antigo o impede de ter paz em sua mente, e ele
se torna o principal crítico dos erros cometidos pelo navio capitânia.

É o seu navio contra o ambiente, o inimigo, ou mesmo contra o navio irmão.
Não existe maior competição na terra do que a que ocorre entre navios de um
mesmo esquadrão, ou da mesma força-tarefa.

Lealdade ao navio e lealdade à sua força são dogmas a serem seguidos.

Um soldado certamente terá uma Associação do Batalhão para que se relembre
do passado, mas um marinheiro se lembra apenas do seu navio. Raramente
ocorre a um marinheiro formar uma Associação da FT 94 ou Associação da
Esquadra.

Um oficial sempre se lembrará de seu primeiro navio, dos nomes do timoneiro
e do vigia de seu quarto de serviço, e das situações que eles enfrentaram
no porto ou no mar.

Uma das experiências mais gratificantes para o homem do mar é recordar os “
bons tempos”, quando se encontra com antigos companheiros de bordo. Esta
experiência vivida pelos marinheiros, ao longo de suas carreiras, gera um
senso de lealdade entre as tripulações e com a Marinha que é um elo sem
nada correspondente nas outras Forças. Para o marinheiro, as entidades
organizacionais dos soldados e dos pilotos se parecem com uma “ sopa de
letras”: os números mudam, as pessoas são transferidas rapidamente e as
unidades não têm um nome ou um número.

Já o navio do marinheiro tem um nome e, o que é mais importante, geralmente
é um nome lembrando uma passagem vitoriosa da história de seu País ou o
nome de algum herói nacional.

Os marinheiros valorizam essa conexão com o passado e vêem-se tão capazes
como seus antecessores.

Mas a tradição não é simplesmente um guia para a ação, é uma forma de
lealdade à Força e uma reafirmação do lugar do marinheiro na fila dos
heróis.

Os costumes e as cerimônias navais reforçam o senso de identidade e de
continuidade.

Uma passagem de comando, o lançamento de um navio ou o cerimonial à
Bandeira Nacional são ocasiões nas quais a comunidade naval expressa a sua
confiança e seu apreço pelos homens do mar. As honras ao navio e à sua
tripulação são confirmadas na presença de amigos, parentes e colegas de
farda.

O termo “ conservador” parece ser melhor aplicado aos oficiais de Marinha
do que aos de outras forças. Um marinheiro reluta sempre em abandonar o
que, no passado, lhe serviu de maneira eficiente.

Ainda hoje os oficiais se apresentam aos chefes de departamento, e estes a
seus imediatos, antes de baixarem terra. A chegada e a saída do comandante
a bordo são cercadas de cerimoniais; içar ou arriar a bandeira substituta,
informar ao imediato ou ao oficial de serviço, o qual acompanhará
comandante até a câmara. A chegada do comandante da força ou de um
almirante a bordo é o bastante para transformar o mais pacato dos navios
num frenesi de preparativos, com atenção ao detalhe.

Essas cerimônias e tradições parecem estranhas para o soldado, para o
piloto e para o civil, mas para o marinheiro são parte da vitalidade de sua
experiência profissional; ele sabe o que se espera dele e onde estão
depositados a honra e o reconhecimento.

Mas o marinheiro também sabe premiar aqueles que sabem combinar tradição
com inovação. Ele faz um balanço entre os dois pólos: aqueles que acham
que porque é velho é que deve ser bom, e aqueles que pensam que se é novo
deve ser melhor.

Na verdade, ele confia nas coisas velhas, mas reconhece o valor do novo. O
radar, a turbina a gás, o avião, a propulsão nuclear e a comunicação por
satélite revolucionaram o mundo no qual ele vive, mas o mar ainda está lá.
Os navios são ainda danificados ou afundados pelo mar, navios ainda se
chocam em um mar sem sinais de trânsito ou vias expressas.

As mesmas características são divididas entre Marinhas.

Os marinheiros geralmente têm simpatia por seus colegas estrangeiros. Eles
enfrentam os mesmos perigos e respondem aos desafios de maneira semelhante.
Eles comungam reverências às tradições e aos costumes da mesma forma, e, em
muitos casos, até as fontes das tradições são as mesmas: tradições
cultivadas pela Marinha a Vela.

Na medida em que ingressamos na era das operações conjuntas e combinadas,
os marinheiros terão que fazer alguma concessão aos companheiros das outras
forças, porém a natureza única da profissão naval e de seu ambiente
peculiar certamente marcarão de forma indelével a forma e o conteúdo dos
planejamentos e das operações.

Os soldados e os pilotos certamente aprenderão que os aparentemente
excêntricos e tradicionais marinheiros são, na verdade, profissionais
moldados pela água salgada.

“ Onde o espírito não teme, a fronte não se curva”

FONTE: Comunidade Verde Oliva

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7 Comentários
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Alexandre Galante

Opa, tem um cara conhecido nessa foto.

GUPPY

É o próprio Galante. Turma Echo II, da EAMSC, 1986.

Esta foto já foi matéria aqui no PN.

Abs

GUPPY

É, amigos. Considerações do Marechal Montgomery! Taí uma explanação detalhada das características, do perfil, do marinheiro. Eu acrescento que o período de Escola (formação), seguida do primeiro embarque (estágio), cria a personalidade naval de cada um. Vejam, já na Escola, aprende-se marinharia, regulamentos, tradições navais e muitos conhecimentos úteis à vida de bordo. A frase “Conheça seu navio às escuras” é incutida nas nossas mentes. As aulas de nós, de apitos, são marcantes. Logo, logo, cada um ganha um apelido, as gírias vão sendo usadas e as amizades vão se formando. Uma vez a bordo, os mais “safos” vão se… Read more »

Carlos

entrei na EAMSC em 1979,depois de formado como marinheiro fomos transferidos para o Rio,onde servi na BACS em Niterói e depois fui lotado no S10(submarino guanabara onde servi mais 3 anos e pedi baixa.Mas ainda hoje lembro de todos os amigos que serviram comigo,ficaram apenas as lembranças das boas amizades e histórias insólitas que com o tempo contarei aos meus netos.Um forte abraço aos colegas que ainda estão na ativa e aos que já estão na vida civil.

Jefferson Caetano Porto

BRAVO ZULU MEU NOBRE!!!

Nélio Marinho

Eu sou um admirador da Marinha e dos marinheiros as histórias que envolvem vcs são fantásticas gosto muito e estou sempre disponível a conhecer mais e conhecer vcs tb parabens pela escolha Marinha do Brasil