Brasilia_Congresso_Nacional_05_2007_221

O drama nacional decorre basicamente do déficit de qualidade na condução do nosso Estado

Mario Cesar Flores*

Por que o País vive mais uma crise grave? A resposta é simples, mas suas consequências nocivas permeiam os grandes problemas brasileiros: o drama nacional decorre basicamente do déficit de qualidade na condução do nosso Estado gigante e complexo.

Território extenso e bem dotado de recursos naturais, ausência de catástrofes ambientais e de contenciosos internacionais ou nacionais graves não significam sucesso automático. A qualidade da atuação humana no uso desse quadro favorável é condição indispensável e está hoje, como esteve no passado, aquém da necessária, do topo à base da pirâmide social. Para o tema deste artigo é ao alto da pirâmide e nele à elite política que cabe a maior responsabilidade – equação complicada, já que o poder político depende do voto da grande massa de cultura política precária, condicionada por seu cotidiano penoso e vulnerável à ilusão.

Limitando-nos ao pós-1930: no Brasil gradativamente industrializado os “coronéis” do velho patriarcado rural, atuantes na política no Império e na Primeira República, foram substituídos pelos “coronéis burgueses” das grandes empresas – incluídas empreiteiras a serviço do Estado – e pelos “coronéis pelegos” de organizações sindicais fortes, aqueles e estes inerentes ao novo modelo socioeconômico. A mudança dos atores influentes ocorreu em consonância com a evolução do conservadorismo para o ideário de feição liberal da classe média ascendente e para o populismo típico da democracia de massa urbanizada.

Mas a essência da política não mudou. Tal como na democracia tutelada pelo patriarcalismo conservador, que hierarquizava alto o interesse da oligarquia, as políticas simpáticas à classe média e ao populismo não atribuíam – não atribuem – relevância às exigências do País e às do País no mundo, em mudança radical: população, urbanização, industrialização e injunções ambientais em crescimento acelerado, integração regional e global na economia e na informação. Exigências dependentes de medidas nem sempre, se não raramente, dotadas de “apelo” eleitoral de curto prazo, quesito fundamental para quem pensa principalmente na próxima eleição – uma característica de nossa democracia.

O déficit na condução humana natural a esse paradigma de poder, pouco ou não motivado pela visão (pelo planejamento) do futuro, é agravado pela falácia do Estado interveniente em tudo, de origem histórica, mas inflado no pós-1930 e desde então também grande empresário. Apêndice natural do gigantismo, hoje em evidência no País: a vulnerabilidade do sistema político e do serviço público à corrupção, que, no Brasil como em todo o mundo, é proporcional à dimensão do Estado. Vivemos a cultura apoteótica mantida viva pelo interesse de seus beneficiários, por convicção ideológica ou pela inércia em frágil nível cultural, que entende o Estado como podendo e devendo tudo, à margem da realidade fiscal e de outras limitações. As mazelas do Estado gigante e de sua condução medíocre são ampliadas por nossa ilusão federativa inibidora dos governos locais: Federação política correta para país extenso e diversificado, mas desfigurada pela concentração fiscal na União.

Houve no passado alguns espasmos de planejamento, na Secretaria de Assuntos Estratégicos e, antes, no Conselho de Segurança Nacional, a que o mundo político não dedicava entusiasmo porque sem peso político no povo ou por desinteresse cultural – político e da sociedade. E no contexto econômico-financeiro atual, o que nosso Ministério do Planejamento realmente planeja é a complexa distribuição da escassez orçamentária. Sufocado pelo imediato socioeconômico e suas consequências na política, o futuro aguarda soluções competentes, algumas provavelmente penosas, que, se não se concretizarem, a cobrança virá: ocorrerão outras crises. Como estaríamos hoje se, em felizes manifestações de competência e visão de futuro, não tivessem sido construídas nos 1970 Itaipu, outras grandes hidrelétricas e a ponte Rio-Niteroi…?

Em suma, o déficit de qualidade na condução do Estado “complicado” por sua irrealista onipotência e onipresença é a causa responsável básica pela situação difícil que estamos vivendo. E da mesma forma que somos hoje vítimas de insuficiências (?) do passado, agravadas por insuficiências recentes, as gerações subsequentes seguirão vítimas de crises decorrentes de insuficiências da condução atual. Cabe à condução nacional atual planejar e deslanchar as bases de um futuro sem sustos. Infelizmente, o panorama político confuso que estamos vivendo não sugere segurança de que isso venha a acontecer. O governo tenta controlar o tormento presente, mas estamos planejando e adotando medidas que propiciem esperança de progresso em tranquilidade no futuro? Quando a participação no poder se impõe à revelia de ideias sobre o presente e o futuro, como tem acontecido na formação de nossos governos, a esperança na redenção se fragiliza.

Manifestação emblemática dessa insegurança: a resistência à reforma da Previdência, cujo déficit coberto pelo Estado tido como milagroso ameaça conduzir à catástrofe orçamentária e ao colapso dessa garantia social. Necessária hoje e, sobretudo, com vista ao futuro, mas que põe em risco a reeleição de quem votar em coerência com a realidade e na contramão do ilusório populista, a reforma tende a desembocar no paliativo, que apenas adia a catástrofe. Raciocínio similar se aplica à revisão de tópicos da CLT, anacrônicos no cenário socioeconômico atual, diferente do que existia ao tempo da promulgação desse código. A postergação da reforma tributária (que supostamente “federalizaria” a Federação…) é outro caso da mesma natureza.

Condução em déficit de qualidade, de Estado gigante, interveniente em tudo e com deficiências de organização, é convite à crise, se não ao desastre. Podemos corrigir isso?

* Mario Cesar Flores é Almirante

FONTE: Estadão

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Antonio Palhares

O Almirante Flores tem uma intimidade formidável no trato com as letras. Tem uma facilidade tremenda de tornar problemas complexos, mais faceis de entender quando colocados no papel. O problema deste nosso querido Brasil se resume na patuléia ignara que vota e na falta de qualidade e patriotismo da caterva formada por estes que se dizem representa-la,neste arremedo de democracia. Nunca tantos roubaram tanto, de tantos, por tanto tempo.

Celso

Ai vai uma aula de historia, conhecimento e analise escrita e bem assertiva pelo Alm Flores…….um pais q nao tem historia ou conhecimento desta, esta fadado ao fracasso.

Caio

Esta análise do nobre senhor é tão antiga quanto falha em alguns pontis, porém certíssima no seu ponto principal, a nossa ausência de aptidão para mudar o quadro de eternos vôos de galinhas e baderna generalizada na condução pública; no entanto , eu creio que fias melhores virão , não por mãos políticas mas, por uma maior atuação da sociedade , pois ela ela sim vem mostrando mais consciência política e busca por mudanças , tem suas falhas., sim uma certa condução por alguns, inevitavelmente; mas ela saiu de uma inércia quase vegetal, desde a retirada do Collor. Para essa… Read more »

Miguel

A CLT não impediu que em 2014 o país tivesse a menor taxa de desemprego da série histórica, não existe rombo na Previdência é uma falácia defendida por economistas de mercado ou de bancos e não devemos esquecer que Itaipu, Ponte Rio Niterói e Transamazônica além de hidroelétricas foram construídas com desvios de recursos da Previdência Social e empréstimos externos que com a segunda crise dos juros de 1979 arrebentou com o país, aliás as mesmas empreiteiras envolvidas nos escândalos do Metrô de SP e na Lava Jato participaram destas empreitadas citadas com muita coisa parecida com o que temos… Read more »

Rafael Dreher

Realmente, a história é o que falta ao brasileiro. Chamar de fascista a respectiva “ditadura” é difícil de ler. Ainda que bem que isto está sendo expurgado do cotidiano…

Madmax

Simples.
Como já ensinou Keynes a trocentos anoa atrás.
O que equilibra o mercado de trabalho?
É o salário nominal versus produtividade marginal do trabalhador.
Quase metade da força de trabalho no Brasil ganha até dois mínimos.

http://7a12.ibge.gov.br/vamos-conhecer-o-brasil/nosso-povo/trabalho-e-rendimento.html

Suba o salário mínimo nominal sem ser acompanhado de aumento de produtividade.
Resultado = desemprego.
Não tem mistério.
Déficit e o resto das coisas são consequência da queda no ritmo da atividade econômica.

Madmax

Pra quem acompanha os comentários em economia.
Desde 2013 vem sendo dito repetidamente que a produtividade precisava subir.
Não subiu.
O governo continuou metendo o pé e aumentando o mínimo e liberando crédito a todo custo para incentivar o consumo. O resultado foi que nos lascamos.

Mauro Oliveira

Muito bom, Lucidez às pessoas as vezes faz bem.
Bom ver alguém bater no ponto sem gritar nem xingar, ou botar a culpa no PT. Porque afinal de contas a responsabilidade é NOSSA mesmo.

Gustavo S.

Miguel 30 em de julho de 2016 at 20:46

É o típico mimimi dos militantes esquerdopatas bestializados. Falta pouco para o chefão da quadrilha ser preso pelo brilhante juíz Sérgio Moro. Já tenho até rojões para comemorar esse dia que será marcante e histórico hehehe…

Leandro Costa

Caio, eu discordo dessa sua teoria porque… bem… é só olhar o post abaixo de você. Aí está a estirpe de boa parte dos brasileiros que usam a internet que são ‘conscientizados’ politicamente.

Adriano Luchiari

Gustavo, essa expectativa é que mata. A cada vez que ouço rojões, paro de trabalhar e corro para a internet para saber se foi preso mesmo….kkk

Caio

Leandro estava num momento de muito otimismo , pois sendo mais pé no chão o pais está um caos, porque o último governo foi sim irresponsável com os seus gastos , a falta de uma política realmente desenvolvimentista e ampla , para piorar teve todo o apoio da imprensa que sempre celebrou o simples fato do povao esta consumindo desenfreadamente, sem a mínima noção das consequências, como uma evolução social só se for no país deles pois aqui gerou um endividamento de simplesmente dezenas de milhões de famílias, que somado ao breve pleno emprego que tivemos , vom baixíssimo índices,… Read more »

Zamzam_pampa

Eu procuro me lembra e não consigo, do Ministro da Marinha que tentou, conseguiu, ou não conseguiu, pois não sei de fato como tudo ficou; retirar dos ex alunos de escolas militares o direito de contarem o tempo de caserna como tempo de serviço na esfera pública!Sempre me perguntei como alguém poderia se dedicar a tais pormenores e requintes!

DANIEL

Precisamos sair desta crise! O Brasil é grande e seu povo guerreiro mas, não dá para pensar que as soluções dos nossos problemas possam vir de Brasília. Lá os interesses particulares e de pequenos setores estão acima dos interesses do país e de seu povo. Nós precisamos estar vigilantes e com fé e trabalho, devemos fazer a nossa parte, mesmo que seja apenas, uma gota, no meio do oceano, eu ainda acredito e tenho fé que precisamos e sairemos desta, se Deus quiser!

Celso

Nosso pais seria muito maior economicamente se e somente se, tirassemos sempre desta equacao a classe de politicos q se perpetuam……precisamos batalhar e muito para q a populacao seja respeitada e principalmente , vamos acabar c o voto de cabresto e outras modalidades….fim do voto obrigatorio, ja seria um bom comeco democratico . Nao precisamos de tanta paternidade como o pseudo estado nos impoem…………

Caio

Digo cíclicas

Oganza

Caros Colegas, Uma das características da Mente Humana Contemporânea Brasileira é que ela é ferozmente METONÍMICA: ou seja, ela SEMPRE toma a causa pelo efeito, o instrumento pelo agente, a parte pelo todo e de forma sistemática sem perceber que se trata de metonímias e achando que estão falando de coisas, de fatos do mundo, quando se esta falando na verdade apenas de sua própria linguagem. E isso é a norma que se transformou no Império da Metonímia. – No fim os argumentos das discussões perpetrados no Brasil são apenas apriorismos entre Ticos e Tecos com sofrimentos humanos reais decorrendo… Read more »

Oganza

Exercícios de Silogismos são uma das maiores ferramentas para se entender algum discurso, seja verbal ou impresso, e depois refuta-lo ou corrobora-lo dialeticamente. O melhor de tudo é que corroborando ou refutando determinado discurso, isso não significa que vc não concorde com as premissas de seu objeto. Isso apenas significa que voc6e identificou falhas em sua retórica e que consequentemente poderão ser refutadas e destruídas em um confronto Dialético diante de um discurso contrário… ou seja, ele terá que ser reescrito… 🙂 . Segue um pequeno “guia” para começarmos. https://pt.scribd.com/doc/21227760/Exercicios-de-Silogismos . Ps.: Exercícios de Silogismos são uma das coisas mais… Read more »

Carlos Campos

culpa de todos os governos que esse país já teve, o único governo que queria um país próspero e poderoso pelo que vejo foi o de Dom Pedro I e II

Celso

Prezado Oganza, admiro o seu comentario tao precioso para nos trazer o conhecimento , principalmente conceitual e filosofico. Mas o q conta mesmo eh o discernimento , caracteristica propria de quem possua senso critico e ou um bom discernimento. Nao ha obra de qualquer especie ou estudo q possa qualificar mais ou menos conhecimento nesta area……silogismo como estudo pode ate ser valido…mas que tal o proprio julgamento individual e infalivel, o raciocinio logico e pensamento livre……..enfim, nao perco absolutamente meu tempo c estes tipos de estudos e ou literaturas….isso funde o cerebro, sempre preferi confiar mesmo nos meus instintos. Ja… Read more »

Zica

O sistema poderia ser bom se ao longo de décadas tivéssemos investido em educação de excelência, produtividade e competitividade, aliados a um sério e persistente apoio ao desenvolvimento cientifico. Agora querem pagar a conta minando as aposentadorias. É injusto sim e quem cumpriu a regra do jogo merece se aposentar dentro dessas regras. É muito comodismo achar que somente a previdência está errada. Neste país o direito adquirido, a coisa julgada e o ato jurídico perfeito tem de ser respeitados. Vivemos mal, votamos mal, ganhamos mal, aprendemos mal e construímos o país mal. As novas regras não podem afetar quem… Read more »

Frank

O BRASIL conta, ainda, com pensadores patriotas.

Tadeu Mendes

A baixa qualidade intelectual de uma grande parcela do povo brasileiro , reflete diretamente em todos os setores nacionais.

O Brasil ja foi muito melhor. A degradacao social produz um efeito politico incalculavel.

Celso

Tadeu Mendes……..baixa qualidade intelectual nao eh o motivo principal, eh consequencia, mas qto ao esgarcamento, degradacao, etc..do ambiente familiar e social, isso nao tem concerto nem a longo prazo pois trata-se de formacao do carater. Sds

Predator

Oganza foi Olavo agora… muito bom!!!