AVIAÇÃO NAVAL BRASILEIRA |
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A Revolução Constitucionalista de 1932
Após a revolução de 1930, o estado de São Paulo mergulhou em uma instabilidade política. A instabilidade era fruto de um conjunto de fatores, destacando-se o afastamento das velhas oligarquias do comando federal e a crise do café em 1929. Também descontentes com os rumos tomados pelo Governo Provisório existiam alguns tenentistas. Somou-se a tudo isto a preocupação do Exército de que a presença de tenentes nas interventorias subvertia a hierarquia militar. A mobilização contra o Governo Vargas tomou sua forma ainda em 1931, quando adquiriu caráter nacional. Algumas lideranças do movimento anti-Vargas, como o general Isidoro Dias Lopes e o coronel Euclides Figueiredo, estavam no Rio de Janeiro e procuravam por mais simpatizantes. No Rio Grande do Sul, setores políticos manifestavam sua solidariedade para com os paulistas. O próprio interventor gaúcho posteriormente prometeu apoio militar ao levante. Do Mato Grosso, o general Bertoldo Klinger colocou à disposição dos opositores de Vargas um contingente de aproximadamente 5.000 homens. Em Minas Gerais o levante não encontrava apoio, mas dispunha de uma “neutralidade simpática”. Em fevereiro de 1932 antigos adversários políticos do estado de São Paulo uniram-se formando a Frente Única paulista. A bandeira do movimento era a reconquista da autonomia estadual (na época comandado por um interventor federal) e a convocação de uma Assembléia Constituinte. Não demorou muito para que outros setores da sociedade paulista se associassem à Frente Única. Mas nesta época o movimento já tinha adquirido formas de insurreição armada, procurando afastar Vargas do poder pelo uso da força. O levante estava marcado para o dia 14 de julho (dia em que comemora-se a Queda da Bastilha). Mas alguns acontecimentos fizeram com que as lideranças do movimento antecipassem o início do movimento para o dia 9. A antecipação do levante privou-os de importantes aliados. No Rio de Janeiro quase todos os oficiais pró-levante foram presos. O interventor do Rio Grande do Sul acabou mudando de lado, reprimindo os conspiradores gaúchos. Minas Gerais passou a assumir uma hostilidade armada contra São Paulo e o apoio dos militares do Exército estacionados no Mato Grosso foi perdido quando o Ministro da Guerra decidiu destituir Klinger do seu cargo. Sem seus aliados, São Paulo entrou no conflito isolado. A Marinha entra no conflitoComo a causa constitucionalista encontrava poucos simpatizantes na marinha (1), praticamente todo o aparato bélico da esquadra, incluindo as aeronaves da Aviação Naval, estava a serviço do Governo de Getúlio Vargas. A Marinha colocou a disposição suas aeronaves mais avançadas. Eram modelos Martim PM, Savoia-Marchetti S-55A e Vought O2U-2A recém adquiridos.
No dia 10 de julho partiu do porto do Rio de Janeiro o contratorpedeiro Mato Grosso e, no dia seguinte, o cruzador Rio Grande do Sul escoltado por outros dois contratorpedeiros (Pará e Sergipe). Para apoiar a esquadra, a Aviação Naval enviou três Savoia-Marchetti S-55A (números 1, 4 e 8) e dois Martim PM (números 111 e 112). Estes cinco aviões partiram do Galeão no dia 12 de julho (1). Todos ficaram provisoriamente baseados nas enseadas da Ilha de São Sebastião, próximo ao vilarejo de Vila Bela (atual Ilha Bela). A Marinha também tinha a intenção de enviar alguns Vought O2U-2A Corsair para Vila Bela, mas a Aviação Naval não confiava muito nos seus flutuadores operando a partir das enseadas da ilha. Decidiu-se então ampliar a pequena pista de pouso próxima ao vilarejo para que os mesmos pudessem operar com trem de pouso. Apoiando o ExércitoOs Corsair começaram a guerra operando a partir do Galeão (2), executando principalmente missões de reconhecimento armado ao longo do litoral norte do estado de São Paulo, além de apoiar a Aviação Militar. Numa dessas missões conjuntas, realizada em 16 de julho, um Corsair escoltou dois aviões do Exército (um WACO CSO e um Potez 25 TOE) num vôo de reconhecimento sobre a cidade de São Paulo. Nesse mesmo dia, dois Corsair foram lançados sobre Resende para patrulhar aquela região (2). Em 18 de julho, dois Corsair sobrevoavam o litoral norte, próximo à divisa dos estados do Rio de Janeiro e São Paulo, quando encontraram com um Potez 25 TOE paulista. A aeronave do Governo partiu em perseguição mas acabou perdendo o Potez quando este entrou numa nuvem. Três dias depois, nesta mesma região, dois Corsair encontravam-se numa missão de busca e destruição de uma bateria de artilharia constitucionalista. Ao sobrevoarem uma concentração de carroças e carros de boi foram recebidos com fogo antiaéreo. As aeronaves bombardearam a posição e a bateria foi destruída (2). Com a transferência de dois Corsair para Vila Bela, sobraram somente outros dois em condições de vôo no Galeão para apoiar a Aviação Militar. Na medida em que ocorria o avanço legalista, os Corsair passaram a operar mais próximo do "front". No final de julho, a Aviação Naval no teatro de operações do Vale do Paraíba foi reforçada com a vinda de mais um Corsair, deslocado de Vila Bela. Na primeira semana de agosto os três Corsair já operavam a partir de Resende, reconhecendo o território inimigo e apoiando as forças de terra. Mas a frente sul necessitava de reforços aéreos e dois desses aviões foram enviados para Faxina (atual Itapeva) no dia 12 de agosto. Um terceiro Corsair se dirigia para Faxina mas foi perdido num acidente no dia 20, perto de Jacarezinho (2). Ações aéreas no Mato GrossoNo dia 11 de julho políticos do sul do estado de Mato Grosso (atual estado do Mato Grosso do Sul) aderiram à causa constitucionalista. A região era estratégica para os constitucionalistas pois com o bloqueio do porto de Santos, o sul do Mato Grosso tornou-se uma alternativa para conseguir itens necessários ao esforço de guerra provenientes do exterior. A guarnição do exército em Campo Grande, comandada pelo general Bertoldo Kingler acabou aderindo ao movimento. Por outro lado, o efetivo do Arsenal de Marinha do Ladário (hoje Base Fluvial de Ladário), assim como a flotilha ali baseada, eram totalmente fiéis ao Governo Federal. Naquela época a Aviação Naval não possuía aeronaves na região e a intensidade dos combates no Vale do Paraíba não permitia o deslocamento dos principais aviões para longe deste "front". Em agosto a Marinha decidiu enviar dois hidroaviões Avro 504N/O, armados com metralhadoras Vickers de 7.7 mm, para serem utilizados no auxílio às ações da Flotilha do Mato Grosso. Como os campos de pouso existentes mais próximos de Ladário estavam nas mãos dos revoltosos, decidiu-se enviá-los via Rio da Prata/Rio Paraguai. Por esse motivo as aeronaves só chegaram a Ladário no dia 7 de setembro (3). Na falta de aeronaves para acompanhar a movimentação das tropas constitucionalistas, a Marinha requisitou um Junkers F13 da VARIG, que fazia a rota Corumbá-Campo Grande, para a tarefa de reconhecimento aéreo. Numa das missões foi constatada a aproximação dos constitucionalistas, via estrada de ferro, da localidade de Porto Esperança. Ao sobrevoar a composição, o avião foi avistado e atacado, retornando a Corumbá com mais de 20 perfurações de bala (3). De imediato, foi ordenado deslocamento dos navios da Flotilha (Monitor Pernambuco, Canhoneira Oiapoque e Rebocador Voluntário) para Porto Esperança. Os combates começaram em 31 de julho e se estenderam até o final de setembro, com a retirada das tropas constitucionalistas. Após a retirada, o Arsenal de Marinha do Ladário recebeu um comunicado dos constitucionalistas informando que as tropas do Governo Federal deveriam abandonar o Arsenal sob pena de ser ele destruído pela aviação adversária. O Arsenal não dispunha de defesa antiaérea e os dois Avro 504N/O não eram páreos para os Curtis Falcon dos constitucionalistas. Decidiu-se então adaptar canhões de 47mm e 57mm na canhoneira Oiapoque para atirarem com grande elevação (1). No início de outubro, três aviões Curtiss Falcon O-1E provenientes de Campo Grande, atacaram o Arsenal de Marinha de Ladário lançando quatro bombas e efetuando ataques contra o rebocador Voluntário com tiros de metralhadoras. Os Avro 504 N/O não decolaram, mas a canhoneira Oiapoque abriu fogo, obrigando os atacantes a se retirarem.
Na impossibilidade de tomar Porto Esperança, os constitucionalistas rumaram para Porto Murtinho. Ali, encontraram forças federais provenientes da região de Foz do Iguaçu que, apoiadas pelos navios fluviais, castigaram as tropas constitucionalistas. Depois deste combate, o rio Paraguai definitivamente estava sob posse governamental. Combates no litoralAs obras de ampliação do campo de aviação em Vila Bela ficaram prontas no dia 24 de julho. De imediato dois Corsair foram enviados para lá, de onde deveriam executar ações em conjunto com os hidroaviões. No dia 27 de julho dois S-55, juntamente com um Martim PM, decolaram de Vila Bela para atacarem um objetivo estratégico - as instalações da usina elétrica de Cubatão (Light). Logo na decolagem um dos S-55 teve problemas no motor e não seguiu na missão. Durante o vôo, o Martim PM também acabou retornando para Vila Bela. A tripulação do S-55 que restou avaliou que uma única aeronave não poderia executar a missão e acabou abortando-a. Nova tentativa foi feita no dia seguinte com um Martim PM e um S-55, mas ao sobrevoarem Cubatão os alvos estavam encobertos. A Usina foi finalmente atacada por um S-55 no dia 28, com estragos mínimos. Diversas outras missões foram executadas pelos S-55 contra posições paulistas partindo sempre de Vila Bela. Essas missões eram, em grande parte, contra posições paulistas localizadas ao longo da costa.
Com a necessidade de deslocar um Corsair para a frente de combate no Vale do Paraíba, o grupo de combate de Vila Bela ficou enfraquecido. Tentando compensar a situação, a Marinha enviou um destacamento composto por seis aviões de treinamento D.H. 60T. para atuar no reconhecimento aéreo. As aeronaves foram divididas em duas seções de três sendo uma equipada com cabides para bombas, uma com metralhadora e outra com rádio (2).
Em setembro as aeronaves estacionadas em Vila Bela passaram a hostilizar o Forte de Itaipu que guarda a entrada do Porto de Santos e estava em poder dos paulistas. No dia 3, uma esquadrilha contendo três S-55A, escoltados por um Corsair, lançou seis bombas de 68 kg. Dois dias depois, os mesmos três S-55A, desta vez escoltados por dois Martim PM, voltaram com carga máxima e despejaram 1.180 kg de bombas sobre o forte (2). O resultado dos ataques foi grande, danificando as dependências da Primeira Bateria e toda a sua rede elétrica (4). Um dos Martim PM que participou do ataque foi duramente castigado por um forte temporal no dia 12 de setembro. Na tentativa de rebocá-lo para Vila Bela, o mesmo afundou na entrada do canal de São Sebastião (5). O mês de setembro estava caminhando para o final e o conflito também tendia para um desfecho. O avanço das tropas governistas era evidente e os constitucionalistas cada vez mais careciam de suprimentos, principalmente com o porto de Santos bloqueado por uma Força Tarefa da Marinha. Num último ato de desespero, os aviões constitucionalistas atacaram de surpresa o cruzador Rio Grande do Sul, próximo ao farol da Moela. Não houve tempo suficiente para acionar os aviões da Aviação Naval que estavam em Vila Bela. Mas mesmo assim o cruzador abateu um Curtiss Falcon e escapou ileso. Dias depois, o conflito estaria encerrado. ConclusãoA Marinha empregou efetivamente uma quinzena aeronaves e perdeu duas (por acidente). Graças à renovação da frota realizada a partir de 1931, a Marinha possuía aeronaves a altura das operações a ela designadas, bem como capacidade bélica para enfrentar as forças constitucionalistas (incluindo os aviões). O único porém era o reduzido número de aviões. O amadurecimento da Aviação Naval permitiu que uma grande diversidade de missões fosse executada. Eram missões de apoio e proteção à esquadra, ligação, reconhecimento armado, escolta, bombardeio tático e estratégico. Bibliografia (1) MARTINS, L. M. Operações - Participação da Marinha no ciclo revolucionário 1922-1938. In: História Naval Brasileira. Rio de Janeiro: SDGM, 1985. vol. V, Tomo II, p. 137-140. (2) FLORES Jr., J. 1932 A Guerra no Ar. Revista Força Aérea nº 2, março 1996. Action Ed. p. 28 - 41 (3) LAVENERIE-WANDERLEY, N. F. História da força Aérea Brasileira. 2. ed. Rio de Janeiro: Ed. Gráfica Brasileira, 1975. p. 130-131. (4) MUNIZ, JR. J, Raids aéreos e outros acontecimentos. Disponível em: <http://www.novomilenio.inf.br/santos/h0058i.htm#Autor>. Acesso em: 16 fev. 2005. (5) GUIMARÃES, P. P. Relatório Apresentado ao Exmo. Sr. Chefe do Governo Provisório Dr. Getúlio Dornelles Vargas pelo Vice-Almirante Ministro de Estado dos Negócios da Marinha. Imprensa Naval: Rio de Janeiro, 1933. 2ª parte, p. 139-150.
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