Fundo soberano pode desvirtuar royalties do petróleo

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Nota do Blog: O texto a seguir foi publicado no jornal Gazeta Mercantil hoje (19 de agosto). A rápida leitura do mesmo nos faz refletir sobre o episódio do cancelamento do programa F-X da FAB, com o objetivo de destinar os recursos ao programa “Fome Zero”. O F-X foi cancelado e a fome não foi zerada. Um mero marketing político. Será que ocorrerá o mesmo com os royalties do petróleo e o reequipamento do MB? A Marinha terá que ser forte no jogo político para não perder recursos legítimos.

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GAZETA MERCANTIL – São Paulo, 19 de Agosto de 2008

Com pré-sal, soberano volta ao debate

As discussões envolvendo a criação de um fundo soberano pelo Brasil se arrastam há quase um ano e, agora, ganham novos contornos.

As discussões envolvendo a criação de um fundo soberano pelo Brasil se arrastam há quase um ano e, agora, ganham novos contornos. A descoberta de reservas gigantes de petróleo no chamado pré-sal, com os bilhões de dólares que ela pode gerar em royalties para o País, realimentou os debates sobre a criação de um fundo. A proposta que está no Congresso prevê a elevação do superávit primário em 0,5%, com os recursos direcionados ao fundo. Com o pré-sal no foco, outras alternativas começam a ser cogitadas pelo governo.

A nova idéia é de um fundo soberano formado com os royalties do petróleo. Sua destinação, chegou a afirmar o presidente da República, seria para “combater a desigualdade” ou ainda para “reparar erros históricos do País”. Em uma declaração mais recente, Luiz Inácio Lula da Silva chegou a citar o fundo soberano da Noruega, que utiliza recursos oriundos do petróleo, como um modelo. Qualquer que seja a opção do Brasil, dizem especialistas, as idéias em discussão – e a própria necessidade do fundo – parecem distantes da experiência internacional.

“Este tipo de fundo soberano é bem antigo, normalmente criado por países com sobra de recursos, superávites estruturais para compor o fundo, o que não é o caso do Brasil”, critica Alex Agostini, economista-chefe da Austin Rating. “Nosso superávit é conjuntural e não podemos esquecer que a economia feita se sustenta graças a uma carga tributária excessiva”, diz. O saldo primário excedente, de 0,5% do PIB, na estimativa do governo, irá destinar R$ 14 bilhões ao fundo soberano. Há uma possibilidade, que deve constar da proposta orçamentário para 2009, que destina qualquer excedente acima da meta de 3,8% do superávit primário para o fundo. Até agora, o que excedia era utilizado para abater a dívida pública.

Um dos países que utiliza superávits estruturais para compor o fundo é a China. O país destina parte de suas reservas gigantes, de US$ 1,7 trilhão, para um fundo soberano que investe os recursos no mercado acionário, na busca por rentabilidade. As reservas brasileiras, pouco acima dos US$ 200 bilhões, estão longe de ser consideradas gigantes.

Outro tipo de fundo soberano são os de estabilização, típicos de países ricos em um determinado recurso natural. O Chile, por exemplo, tem um fundo com recursos oriundos das exportações de cobre. No Oriente Médio, são comuns os fundos compostos por recursos da extração de petróleo. O mais antigo deles é o do Kwait, da década de 50. É o que se discute agora no Brasil, ou seja, usar os royalties do pré-sal para compor um fundo soberano.

Neste caso, a crítica que se faz é em relação à finalidade da iniciativa. “O problema não é criar o fundo com recursos do petróleo, isto pode ser positivo, mas desde que se defina muito bem sua utilidade”, questiona Vladimir Caramaschi, estrategista-chefe do Crédit Agricole, asset do banco Calyon. O economista lembra que normalmente fundos compostos de ganhos com recursos naturais têm por finalidade a estabilização fiscal. “No Chile, o fundo ligado ao cobre ajuda na estabilização fiscal, ou seja, quando o preço do metal sobe, o governo poupa os recursos para os momentos de baixa, que afetariam a arrecadação”, explica. “Aqui, pelo que se sabe, a proposta é um pouco diferente.”

As falas do presidente Lula estabelecem um vínculo entre um possível fundo soberano com recursos do petróleo a investimentos sociais. O fundo da Noruega segue esse modelo e visa garantir uma poupança de longo prazo. Nesse caso, a origem dos recursos e a destinação do fundo estão bem claros (leia texto abaixo).

Uma das hipóteses levantadas pelo governo seria que o fundo soberano investisse em educação. Hoje, a União fica com 40% dos royalties e o restante beneficia quatro ministérios: Marinha, Minas e Energia, Ciência e Tecnologia e Meio Ambiente. Mas, na prática, nem sempre os recursos chegam aos ministérios, ficando contingenciados.

A idéia original de aplicação dos recursos do fundo soberano composto pelo superávit primário também é diferente do padrão. Neste caso, os recursos seriam para financiar investimentos de empresas nacionais no exterior. “É o contrário do que hoje é feito, normalmente os fundos soberanos investem em empresas estrangeiras visando elevar sua lucratividade”, explica Caramaschi. Os fundos soberanos não compram apenas títulos de países, mas investem em imóveis, ouro e ações de grandes companhias na tentativa de maximizar seu retorno. Hoje, existem 47 fundos soberanos no mundo, com US$ 3,854 trilhões em ativos.

Discussão legítima

A idéia de criação do fundo soberano, seja ele via elevação do superávit primário ou com royalties do petróleo, é defendida pelo ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda e atual consultor do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi), Julio Sérgio Gomes de Almeida. “Acho inevitável que o Brasil tenha um fundo soberano, mas considero legítima a discussão sobre a origem dos recursos e sua finalidade”, diz Almeida. “É claro que o superávit primário é sustentado por uma carga tributária elevada mas, enquanto existir esta folga tributária, é melhor pouparmos os recursos”, explica o economista. Segundo ele, em um momento de menor crescimento e, portanto, menor arrecadação, a poupança já realizada evitaria uma elevação da carga tributária.

Sobre a utilização dos royalties do petróleo, Almeida é favorável desde que os recursos do fundo estejam “carimbados”. “Se não estiver claro qual a finalidade do fundo pode ocorrer o que já acontece com os royalties, usados para sustentar a máquina estatal e não para investimento em educação, infra-estrutura etc.”, diz. “A idéia do governo de criar um fundo soberano com os royalties está correta, é preciso perpetuar esta riqueza, mas sei que falar é mais fácil do que fazer, por isto precisamos cuidar para que os recursos não caiam no gasto comum.”

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Paulo Costa

Deveria ser fundo participativo ou algo apropriado,em que os estados
participassem com regras claras,para que todos pudessem tentar
planejar os investimentos.
Investimentos prioritarios,saude,educação,segurança,e
infra estrutura se necessario.

marujo

O interessante nessa discussão sobre o fundo é que se ouve, quase que sempre, economistas de bancos. Para eles, eventuais sobras de recursos só tem um destino: o abatimento na impagável dívida que o Brasil tem com a banca.

Roberto

não sou a favor de se ‘guardar’ este dinheiro. o país precisa de tanta coisa, tanto investimento que se bobear não vai dar pra fazer muita coisa não… infraestrutura, educação, habitação, saúde, segurança, forças armadas, tanta coisa, saneamento básico…eu preferiria que uma parte fosse realmente para a criação de um fundo soberano, para os momentos de crise, e outra parte investida nos problemas de nosso país. não temos que fazer ‘reparações históricas’ para com os pobres, temos que investir em educação para que eles possam melhorar seu padrão de vida, investir em saneamento básico para que possamos melhorar as condições… Read more »

Igor

De fato. A economia do Brasil é aquela frase famosa: “Me engana que eu gosto”.

GustavoB

1) O FX teve vários outros motivos para ser cancelado 2) Apesar do nome, não se espera que a fome seja “zerada” num vapt-vupt, não? Me parece que o problema é bem mais complexo. 3) Enquanto prevalecer esse pensamento corporativista, o Brasil não pode crescer mesmo como nação. Precisamos avançar em TODOS os setores, inclusive a Defesa. Encontrar culpados para esta ou aquela demanada é por demais simplório. 4) A MB deve sim receber royalties, todas as propostas de mudança que estão no Congresso contemplam isso. O aumento da produção de petróleo será sim uma oportunidade de aumentar a importância… Read more »

GustavoB

“Encontrar culpados para esta ou aquela DEMANDA é por demais simplório”.

Emerson

Cuidado pra não engasgar com a baba ai em cima

Roberto

O fundo soberano seria uma ‘poupança’. é criado um fundo com um determinado valor e objetivo. aplica-se o dinheiro geralmente em ações, ouro, títulos de outros paises, para que, com o rendimento possam ser alcançados os objetivos. um exemplo é o chile que ‘guarda’ uma parte dos lucros obtidos com a venda do cobre para quando a cotação internacional do metal cair, já que isso afetaria a economia chilena, com este fundo tem-se uma diminuição dos efeitos desta queda.

molleri

Fundo soberano é igual ao Fundo de Saúde da Marinha e ao fundo de aposentadoria dos militares. A gente desconta, desconta e tudo vai para o ralo do tesouro nacional. Depois escoa pelos esgotos da politicalha, como o Fome “mil” e os Bolsas família.

Voluntário da Pátria

Conversa fiada dos petralhas, toda esta lorota é para a cumpanherada meter a mão também na riqueza do petróleo brasileiiro. Já existe Lei que regula royalties e exploração. A mudança proposta,desavergonhadamente liderada por LULA, é GOLPE contra a nação que ficará debaixo da ameaça das chantagens do PT.Se algumas avaliações forem reais, 100 bi barris, o Brasil terá importãncia mundial e os esquerdopatas também querem chantagiar o mundo,por isso precisam de exclusividade no ritmo da exploração . O que melhorou na educação desde de que o apedeuta tomou posse? Fundo na mão dos PTistas servirá para mensalão e propinoduto. LULA,com… Read more »

Voluntário da Pátria

quem falou em separatismo, se vc ler um pouquinho saberá o que se passa na Bolívia. Um governo central prejudicando deliberadamente a população de determinados Estados da Federação.