Num texto recentemente publicado no site do Poder Naval OnLine com o título “Um encouaçado contra o Forte“, foram levantados alguns pontos sobre a história onde ainda existem dúvidas. Porém, nosso leitor e colaborador Reginaldo Bacchi, um dos maiores especialistas em assuntos militares do Brasil, apontou uma outra incoerência.

A história brasileira, como tem sido contada até hoje, apresenta uma ‘eventual’ modificação das tábuas de tiro dos canhões do Forte de Copacabana com o intuito de atingir alvos terrestres, algo que não era exatamente o propósito fim daqueles canhões. Segundo o eng. Bacchi:

Este material fora retirado do péssimo livro de Helio Silva “1922-Sangue na areia de Coacabana”, um livro que na minha opinião trás muito mais duvidas do que respostas. (Esta versão dos fatos também foi narrada no livro “O tenentismo na marinha”.)

Em 1922 a diferença indicada entre o armamento de campanha e de uso anti navio, ainda não era muito grande. O canhão [do Forte] de Copacabana que foi usado para bombardeio de alvos terrestres no Rio de Janeiro, como o Ministério da Guerra, Palácio do Catete, Ilha das Cobras etc, era o Krupp de 190 mm com um alcance de 13.000 metros com um ângulo de elevação máximo de 20 graus.

A artilharia divisionária alemã na 1ª Guerra Mundial, recentemente terminada, era mobiliada com dois tipos de armas de artilharia:

Canhão de campanha de 77 mm , M 96 n.A. – com um alcance máximo de 7,8 km e um ângulo de tiro máximo de 15 graus;

Obuseiro de campanha de 105 mm , M 16 – com um alcance máximo de 9.5 km e um ângulo de tiro máximo de 40 graus.

Os outros paises, tinham armamento muito semelhante.

Ou seja, só o obuseiro corresponde à descrição do texto acima.

Uma das características dos obuseiros é o uso de varias cargas propelentes para permitir grande variação no alcance, adequando-o as inúmeras variáveis do combate, que muitas vezes faz com que se necessite atirar bem próximo das linhas dianteiras das tropas amigas.

Hoje, a artilharia de campanha divisionária é na sua grande maioria mobiliada com obuseiros que atiram até ângulo de 80 graus.

Como exemplo o obuseiro Light Gun da BAE, adotado pelos Fuzileiros Navais do Brasil, pode atirar até um angulo máximo de 70 graus.

Utilizando a munição estadunidense dos obuseiros M 101 do EB, que se caracteriza por 7 cargas propelentes, vamos ter os seguintes alcances (levando em consideração que são ulilizadas com as cargas vários ângulos de tiro):

Charge 1 1800m a 3400m
Charge 2 2100m a 4100m
Charge 3 2600m a 4800m
Charge 4 4100m a 6300m
Charge 5 4200m a 7900m
Charge 6 5000m a 9500m
Charge 7 6200m a 11500m

Este tipo de equipamento não existia no Forte de Copacabana. O maximo ângulo de tiro era 20 graus, e a carga propelente era só uma, dedicada a dar o máximo de alcance ( 13.000 m ). Não é possível, alterando as tabuas (tabelas) de tiro, modificar o ângulo de tiro.

Se para atingir, por exemplo, o Palacio do Catete, existisse um prédio ou um morro na linha de tiro (trajetória), este seria atingido!

Não há alteração de tabua de tiro que impeça isto.

Não é possível modificar uma tabela de tiro tenso para tiro elevado sem aumentar o ângulo de tiro do canhão. Isto é um problema mecânico.

A redução da carga de projeção (propelente) como indicado no texto só iria reduzir o alcance do tiro, com o problema de não se conhecer exatamente qual seria a distancia atingida com a carga reduzida.

Interessante é que no depoimento do Tenente Siqueira Campos o mesmo informou que os tiros contra o Catete atingiram o morro que ficava na trajetória.

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J Mitchel

Caros amigos Bacchi é um homem muito estudioso e um engenheiro de invejada capacidade técnica.
Assim somente uma coisa tenho a dizer: “Bravo Zulu Bacchi”
At
JM

João das Botas

Mas a que “canhões” se refere? Lembro que na década de 80 o Forte de Copacabana possuia, além dos cituados nas cúpulas, que já não atiravam mais quando dos exercícios,obuseiros, acho que VICKERS 155 mm. Estes obuseiros já existiam em 1922? Parece, que era plano dos revoltosos atingir quarteis localizados na Vila Militar e Deodoro.

Vinicius Modolo

Taúbua de tiro ao Alvaro….não tem mais onde furar….

Reginaldo Bacchi

Meu caro João das Botas, Muitíssimo obrigado por suas perguntas. Indo por partes: “… Mas a que “canhões” se refere? …” > Nem o livro “1922 – Sangue nas areias de Copacabana”, nem o mais recente “O tenentismo na Marinha” define quais são estes canhões. O que se sabe é que o único canhão utilizado pelos revoltosos foi o Krupp 190 mm, e tudo que se falou posteriormente após a revolta se refere ao uso deste canhão. “… Lembro que na década de 80 o Forte de Copacabana possuia, além dos cituados nas cúpulas, que já não atiravam mais quando… Read more »

João das Botas

Muito obrigado pelos esclarecimentos, Sr Bacchi, principalmente pela diferenciação entre canhões de tiro tenso e obuseiros utilizados para tiro curvo.