O incêndio na Estação Antártica Comandante Ferraz (EACF), no início deste ano, não apenas destruiu a instalação brasileira no Polo Sul e ceifou a vida de dois militares, mas também congelou importantes pesquisas científicas na região. Do Programa Antártico Brasileiro, 40% dos projetos foram afetados diretamente. Destes, até 15% não têm data para serem retomados.

As pesquisas desenvolvidas na estação apresentavam importância estratégica para o Brasil. “O Programa Antártico Brasileiro tem duas metas básicas, uma científica e outra política”, esclarece o diretor do Centro Polar e Climático da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e responsável pelo planejamento estratégico da parte científica do Programa Antártico Brasileiro, Jefferson Simões. “A científica é investigar o meio ambiente antártico e suas conexões com a América do Sul e especificamente com o Brasil. E a política, que busca garantir ao País o direito de participar na definição do futuro de 10% do planeta Terra”.

Segundo Simões, os projetos mais prejudicados pelo incêndio foram os da área de biociências, que se utiliza fartamente de coletas de materiais. Esses estudos envolvem desde questões de fisiologia animal, impacto de variações ambientais em algumas espécies e estudos de impacto ambiental da própria atividade na região da estação, na Baía do Almirantado.

Os pesquisadores da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) João Paulo Machado e Erli Costa, por exemplo, tiveram seu estudo, sobre a relação entre a poluição e o nível de estresse de pinguins e skuas, reduzido pelo incêndio. Para a pesquisa, foram realizadas três coletas de penas, fezes e sangue. Com as chamas, perderam-se os dados da última sessão. Por sorte, as outras duas já haviam sido levadas para os navios, e atualmente encontram-se em análise.

Apesar do contratempo, a maioria dos projetos não foi interrompido. Muitos deles se desenvolvem atualmente em laboratórios em território nacional, nos dois navios brasileiros na Antártida e na Criosfera 1, o módulo inaugurado em janeiro e situado a 2,5 mil km ao sul da área onde se localizava a Comandante Ferraz. Dez a 15% dos estudos afetados, porém, não têm previsão de retomada. “Ainda estamos analisando como é que eles vão voltar”, lamenta Simões.

Embora a estação tenha sido completamente destruída, não houve perda total das pesquisas então em andamento, pois muitas das coletas de material já haviam sido transportadas para os navios. Além disso, os laboratórios de meteorologia, química e estudo da alta atmosfera não se localizavam dentro da estação e permaneceram intactos.

Um aluno do geocientista Heitor Evangelista realizava pesquisa sobre emissões atmosféricas em um desses módulos independentes. Ela teve de ser suspensa, contudo, pois a energia desses módulos vinha da estação e foi interrompida quando o fogo atingiu os geradores. Para o próximo verão, a Marinha planeja a instalação de um sistema emergencial para alimentar todos os módulos. Só então a pesquisa poderá ser restabelecida.

O incêndio
Em sua oitava expedição pelo continente gelado, como chefe da equipe de campo da Unisinos, o biólogo César Rodrigo dos Santos foi o primeiro a avistar o perigo. Eram 2h da madrugada do dia 25 de fevereiro. Enquanto alguns pesquisadores dormiam e outros confraternizavam na sala de estar da estação, o biólogo deixou a instalação para observar as estrelas. “O céu estava bonito, mas, logo que saí, vi aquele clarão e a fumaça”, relembra. O que Santos viu, no lugar do céu estrelado, era a fumaça das chamas advindas da Praça de Máquinas, onde ficavam os geradores de energia.

Apavorado, Santos correu de volta para avisar que a área dos geradores, em torno de 80 m distante da sala de estar, estava pegando fogo. Nesse momento, o incêndio atingia 4 m de altura e se alastrava pela Estação Comandante Ferraz. Os militares da Marinha, que integravam o Grupo-Base da EACF, já se agrupavam para combatê-lo.

As horas de luta para salvar o trabalho de centenas de pesquisadores e a estrutura que representava a ciência brasileira na Antártida terminaram de maneira trágica: a estação soçobrou em meio à neve, e dois militares, o suboficial Carlos Alberto Vieira Figueiredo e o sargento Roberto Lopes dos Santos, faleceram.

São imensas as perdas provocadas pelo incêndio na Estação Antártica Comandante Ferraz . Mas é difícil quantificá-las, lembra o pesquisador João Torres: “É impossível mensurar e comparar gerações de cientistas e seus esforços perdidos como sendo uma matemática fria. A dor é muito grande, e a perda de dois amigos não tem como medir. Ela persistirá em nossos corações e mentes por muito tempo. Talvez para sempre”.

A nova estação
Uma nova estação ainda é um sonho distante. No momento, a grande preocupação é a retirada dos escombros da área, que se localiza na ilha do Rei George, a 130 km da Península Antártica, na Baía do Almirantado.

Para a tarefa, o governo contratou, no dia 1º de junho, por R$ 2,3 milhões, uma empresa para limpar o local. A empreitada, no entanto, deve começar apenas em novembro deste ano e terminar em março de 2013. “No inverno, os navios não têm acesso à área onde estava a estação brasileira, pois o mar congela”, explica o biólogo Rogério Santos.

A dificuldade de acesso é um dos principais entraves para o início da construção da nova estação. Os trabalhos devem ter início apenas no verão, e a estimativa é que transcorram cinco anos até que ela atinja pleno funcionamento. “Terá uma configuração diferenciada, mais voltada para a ciência”, adianta o coordenador científico do Programa Antártico Brasileiro, Jefferson Simões. Até lá, muitos pesquisadores terão que conduzir seus estudos no Brasil.

Sem estação, as atividades programadas para o final do ano levam em conta as novas limitações. Haverá pesquisa em acampamentos e no módulo da Criosfera 1, mas a prioridade será a investigação oceanográfica, realizada nos navios. “A tendência é de que 20% dos projetos não tenham saídas de campo”, afirma Simões.

FONTE: Terra Notícias

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