USS Vella Gulf

Após o pagamento do resgate pelo Sirius Star, a vítima mais famosa da pirataria somali, em janeiro, uma festa de praia improvisada ocorreu perto de Hobyu, a cidade no sul da Somália onde ele estava atracado. Segundo a tripulação do Vella Gulf [imagem acima], o navio de guerra americano que passou meses vigiando o Sirius Star e o Faina, outro navio capturado, crianças corriam pela praia, fogueiras foram acesas e os associados dos piratas trouxeram veículos com tração nas quatro rodas para a areia.

Os participantes da festa vieram em busca de sua parte nos US$ 3 milhões do resgate, pago pelos proprietários para a libertação de seu navio petroleiro, o maior já sequestrado. Alguns dos presentes participaram da tomada do navio e outros ajudaram fornecendo alimentos, segundo os observadores. Os membros mais velhos da gangue pirata também receberam sua parte.

A ameaça de ataques como o realizado contra o Sirius Star surgiu nos últimos 18 meses como a mais séria questão de segurança para o setor de transporte marítimo mundial. Segundo o Birô Marítimo Internacional, ocorreram 111 ataques e 42 sequestros bem-sucedidos além da costa da Somália em 2008. Os custos adicionais de seguro e preocupações de segurança estão fazendo com que as empresas de transporte marítimo gastem milhões de dólares em desvios, segurança adicional e seguro mais caro.

Mas as atividades dos piratas são eficazes por causa de sua simplicidade. Em um país onde o setor bancário deixou de funcionar após mais de uma década de caos e após as sanções americanas antilavagem de dinheiro, tudo é feito em moeda. Dezenas de milhares de notas de US$ 100 são jogadas do ar como pagamento de resgate. Os carros, casas, televisores e festas de casamento que elas financiam são pagas em dinheiro.

A festa mostra o quanto a pirataria se tornou parte da complexa sociedade somali. Uma analista militar ocidental diz que os piratas agora empregam “contadores” para dividir o resgate. Há fórmulas cuidadosamente elaboradas que determinam quanto é pago para cada um, do guarda mais baixo aos líderes da gangue. Os piratas seguem um código de conduta que proíbe, por exemplo, que tripulantes sejam feridos, com multas para os infratores.

Os laços pessoais e o talento decidem juntos como as carreiras progridem, segundo Mark Genung, capitão do USS Vella Gulf. “Se você é um bom pirata, eu suponho que você tenha bons empregos de pirata”, ele diz. “Se você é um pirata ruim, você recebe empregos ruins de pirata.”

Mais importante, a entrega do resgate em dinheiro e sua divisão não deixa rastro no sistema que rastreia e quebra o financiamento do crime organizado.

“Não dá para checar para onde vai o dinheiro”, diz a analista militar.

Há um entendimento de que a pirataria somali contemporânea surgiu no início desta década à medida que o clã Hawiye, sediado nos arredores de Haradere, na região central da Somália, tentava impedir a pesca e o despejo de lixo ilegal. Eles evoluíram do ataque às embarcações à tomada delas para pedido de resgate.

Eles atraíram grande atenção pela primeira vez com o ataque ao Seabourn Spirit, um navio de cruzeiro, a cerca de 115 quilômetros da costa somali, em 2005. A tentativa fracassada mostrou que os piratas já tinham algumas “naves-mãe” – embarcações usadas como bases em alto-mar e capazes de se afastar bem mais da costa do que as pequenas embarcações de ataque dos piratas.

Os Hawiye abandonaram a pirataria, pelo menos temporariamente, quando a área de Haradere caiu em 2006 para o governo da União dos Tribunais Islâmicos, que era contra a pirataria mas teve vida breve. Os Darod, com fortalezas ao redor de Eyl, na costa leste, e Bosasso e Caluula, em Puntland, no Golfo de Áden, tomaram seu lugar.

Abdullahi Yusuf Ahmed, de Puntland, se mudou para o sul, para as fortalezas do governo federal somali de transição quando foi nomeado presidente em 2004, segundo um especialista diplomático europeu. Muitos dos milicianos que mantiveram Puntland pacífica o acompanharam.

“Isso dava muita liberdade de ação aos clãs locais de Puntland, que podiam praticar pirataria porque havia menos supervisão”, diz o especialista diplomático.

O grupo inicial de piratas Darod recrutou outros. A analista militar chama o sistema de esquema da pirâmide, onde os membros mais velhos ganhavam senioridade à medida que novos recrutas ingressavam.

“Eles chegam a um ponto em que não precisam mais sair para o mar.”

Os piratas também pagam a outros membros mais velhos de seus clãs e grupos políticos e militares locais, segundo Roger Middleton, um pesquisador do programa para África da Chatham House, no Reino Unido.

“O dinheiro vai para os membros mais velhos do clã, da mesma forma que se espera que um empresário bem-sucedido ajude as pessoas”, ele diz.

Os Darods podem ter tornado a atividade mais democrática, segundo Daren Dickson, um gerente sênior da Drum Cussac, uma consultoria de risco. Eles insistem em pagamento em dinheiro, enquanto os resgates anteriormente eram pagos por meio dos bancos ou pelo sistema informal Hawala de transferência de dinheiro, controlado pelos senhores da guerra.

“Os membros de fato do clã agora recebem sua parte, não apenas o senhor da guerra”, diz Dickson.

Segundo o especialista diplomático, as sagas do Faina e Sirius Star sugerem que a experiência está tornando os piratas mais sofisticados e ambiciosos. Ele acredita que os piratas foram alertados sobre a presença do Faina, que estava carregado com tanques e outros armamentos militares. O capitão Genung acredita que a carga foi capturada por acaso.

Os piratas perceberam rapidamente a importância do Faina e obtiveram US$ 3,2 milhões, bem mais do que o US$ 1 milhão que até então era o padrão. O mesmo grupo – uma mistura incomum de Hawiye e Darod – então capturou o Sirius Star, a 420 milhas náuticas da costa leste da Somália.

Grupos Darod operando de Puntland estão se adaptando à presença militar significativa no Golfo de Áden. Eles agora lançam com frequência vários ataques, um após o outro, para sobrecarregar a capacidade das embarcações próximas de responder.

O capitão Genung promete se adaptar às mudanças e aponta que o esforço militar já está tornando a vida dos piratas mais difícil. O Vella Gulf ajudou a capturar dois grupos de piratas, totalizando 16 homens, em 11 e 12 de fevereiro, enquanto a Marinha russa também capturou alguns piratas no Golfo de Áden.

Entretanto, ninguém envolvido acredita que esta ação pode resolver um problema com raízes no colapso a longo prazo do Estado somali. Aqueles que capturaram os piratas em 11 e 12 de fevereiro disseram que eles deviam estar desesperados para colocar no mar uma embarcação tão perigosa, cheia de vazamentos. Qualquer coisa que não seja uma solução política duradoura em terra será um “mero esparadrapo” segundo a analista militar.

“Há pessoas famintas que não têm nenhum modo legítimo de ganhar dinheiro”, ela disse. “Elas pensam: ‘Nós queremos um pedaço desta torta’.”

FONTE: Financial Times, via UOL
FOTO: US Navy

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Lucas

VIVA A PIRATARIA!!!

Rodrigo Cesarini

“Há pessoas famintas que não têm nenhum modo legítimo de ganhar dinheiro” Balela!

Pessoas famintas não tem infraestrura, barcos de apoio, lanchas e RPG7.

claudio alfonso

Elas arranjam! Pelo visto isso ainda vai dar muito trabalho! Como foi dito, se não agirem para instituir novamente um estado, uma estrutura de governo com auxílio da ONU e combater firmemente esses bandidos, a somália cairá irremediávelmente nas mãos desses piratas, que se forem bem sucedidos poderão eles mesmo organizar esse “novo” “governo” e assumirem de fato o poder. Não só isso, o que é pior mostrarem o caminho das pedras para outros países falidos como a etiópia, afeganistão, paquistão, etc. Com todos os problemas que isso irá gerar.

ThePunisher

Chega de blá blá blá… pirata, bandido, não entende essa linguagem, a única linguagem que eles entendem é a do ferro e fogo, então ferro e fogo neles. ponto final.