Marinha brasileira não terá o seu submarino nuclear antes de 2000

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Vale a pena ler de novo

Matéria publicada no jornal Folha de São Paulo em 18 de abril de 1987

A Marinha Brasileira dificilmente contará com seu primeiro submarino nuclear antes do ano de 2000. Oficiais que trabalham no projeto de dotar a Esquadra de um submersível atômico construído no país, duvidam que ele possa ser concluído com êxito nos treze anos que faltam para o final deste século, e alinham três problemas básicos: a) o estágio em que se encontra a pesquisa nuclear no Brasil, insuficiente para uma simples previsão de quando a Marinha disporá de um reator nuclear adequado a um submarino; b) as dificuldades que o Arsenal de Marinha de Rio de Janeiro vem enfrentando para construir um simples submarino convencional, cujo desenho, alemão, é plenamente conhecido; e c) a insegurança quanto a disponibilidade de recursos para um projeto desse porte.

Uma reportagem sobre o assunto, publicada no domingo passado pelo jornal “O Estado de São Paulo”, foi encarada, pelas fontes ouvidas pela Folha, como excessivamente otimista. A matéria dizia que, até o ano 2000, a Marinha teria um submarino atômico operando, com deslocamento de 4.000 toneladas, velocidade entre trinta e quarenta nós e oito tubos de disparo de torpedos de 21 polegadas (533mm) – podendo lançar, submerso, mísseis antinavio. A Folha apurou ser impossível que o projeto da Marinha brasileira contemple um submarino nuclear de 4.000 toneladas – navio que seria maior do que os submarinos atômicos de ataque atualmente construídos nos Estados Unidos, e cujo deslocamento gira em torno de 3.000 toneladas.

As mesmas fontes informam que a velocidade máxima do submarino nacional (isto é, sua velocidade submerso) deve ficar entre 20 e 25 nós, isto por um motivo simples: o projeto brasileiro de enriquecimento de urânio para o reator “compacto” a ser instalado neste submersível, prevê um enriquecimento da ordem de 70%, dado que influi diretamente no desempenho do sistema de propulsão do barco. Submarinos nucleares americanos que têm reatores nucleares servidos por urânio enriquecido a 95%, atingem velocidades entre trinta e quarenta nós parecem pertencer, ainda, a um futuro mais distante.

Também não é provável que o submarino atômico brasileiro vá dispor de oito tubos lança-torpedos. A idéia original do grupo de trabalho que cuida do projeto é apresentá-lo apenas com meia dúzia de de tubos. Quanto ao calibre dos torpedos a serem usados, permanece uma dúvida básica entre os de 21 polegadas e os de 23 polegadas – de diâmetro, portanto, ligeiramente maior, como é o caso dos torpedos fabricados, atualmente, na Alemanha. A Marinha brasileira está, no que toca a submarinos, recebendo uma forte influência alemã, e isso pode resultar na escolha de torpedos de 23 polegadas.

A possibilidade de o submarino nuclear nacional vir a lançar mísseis que sobem à superfície e, a seguir, funcionam como armas aéreas, não mereceu, por enquanto, qualquer estudo em profundidade. Até porque, este tipo de armamento é de concepção muito nova, e nunca foi testado em combate. A Aerospatiale francesa fabrica uma versão do “Exocet” para ser lançada de debaixo da água por um submarino, os americanos produzem o “Harpoon”, com as mesmas características, mas a eficiência destes equipamentos ainda é discutida. A maior dúvida reside no fato de que, alcançando a superfície e procedendo, no ar, como míssil aéreo, o engenho tem sua capacidade de afundar um alvo de superfície (como, por exemplo, uma fragata) diminuída.

Na verdade, ainda não existe, sequer, um projeto preliminar com requisitos básicos a serem atendidos pelo submarino atômico brasileiro. O que existe são análises sendo feitas pela Diretoria Geral de Material da Marinha (DGMM) e do Estado-Maior da Armada (EMA), sobre os diversos requisitos exigidos, hoje, nos programas mais avançados de submersíveis nucleares. Não é possível prever, com 13 anos de antecedência, que sistema de armas um barco vai carregar. Oficiais que conhecem o assunto afirmam que só depois que a Marinha tiver alguma definição sobre o reator atômico, é que poderão ser examinados em detalhes, aspectos como o tamanho do barco, sua velocidade, equipamento eletrônico e armamento.

Por enquanto há duas etapas que o Arsenal de Marinha do Rio de Janeiro precisa “queimar”: a da construção de três submersíveis convencionais da classe IKL-209/1400, de tecnologia alemã, e a da construção do NAC-1, o primeiro submersível de propulsão convencional, de concepção inteiramente nacional. A previsão é de que o primeiro NAC-1 fique pronto apenas na segunda metade dos anos 90 – época em que o Arsenal já teria construído também, os barcos do tipo –IKL-209. O problema é que o Arsenal já está dois anos atrasado no início da construção do primeiro IKL. Neste ritmo, qualquer previsão é, no mínimo, arriscada.

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marujo.

Será que vai ser assim também com o vencedor do fx-2,das escoltas e do Napaoc. Ressussitar um artigo de 1987 (22 anos atrás) para provar que a escolha da MB está errada…

General

”Vale a pena a ver de novo” quer dizer….

Vale a pena sofrer de novo ,e sem aspas

Klinger

Boa Tarde! De forma modesta e respeitosa eu gostaria de dirigir minhas perguntas ao Galante eo Poggio, pois sou leigo e fiquei com algumas duvidas: 1- Na opinião do senhores, o Brasil não estaria olhando o aspecto estratégico nesta parceria olhando o aspecto internacional tambem? 2- Talvez o que a marinha procure mais neste momento é absorvição de sistemas e tecnologia sensiveis de projeto e o casco nuclear? 3- O projeto sera o scorpene ou baseados nele com avanços consideraveis? 4- Estes projetos serão apenas o ponto de partida para muitos outros que por final terão um grande valor para… Read more »

LM

Prezado Roberto, Não sou um dos editores do BlogNaval, sou apenas um colaborador, assim como o senhor o é. Também não tenho procuração para defender ninguém. Além disso, não tenho preferência por nenhuma das duas classes de submarinos (Scorpène ou U214). Eu conheço apenas o primeiro, por isso não posso emitir opinião sobre o segundo. Contudo, não vejo problema com relação ao BlogNaval emitir sua opinião. Todos os sites e todos os especialistas fazem isso. Como bem lembrou o senhor, o que deve existir é a possibilidade democrática de cada um colocar sua opinião aqui. Todas as opiniões, favoráveis ou… Read more »

Gunter

Também não entendi o motivo de publicar no Blog, notícia da Folha de
SP de 1987! Há 23 anos foi publicado referido texto, o contexto hoje é bem diferente.
Parece que para defender uma posição, estão alguns editores sem argumentos.

Roberto Carvalho

Gostaria de entender o posicionamento do Blog Naval. Vocês afirmam que o SNBR não sai antes de 2029, tendo como base o histórico de cortes no orçamento e o tempo de construção de outros meios navais. Para ilustrar, colocaram essa reportagem de 1987. Os senhores não acham que algumas coisas mudadaram desde aquela época? Pelo que vocês estão deixando parecer, não houve qualquer avanço de lá para cá. Isso não estaria errado? Vejo diversos avanços. E por mais que vocês discordem, o acordo com a França me parece um enorme avanço. Se não existia verbas, hoje estamos com o financiamento… Read more »

Gunter

Sr. Poggio! Sou um leitor, por isso deixei meu comentário.

Luís Aurélio

Agora eu sei porque a MB, não reclama de maneira firme, a tal falta de verbas, que ela diz sofrer! Quem começou um projeto de um submarino nuclear em 1987, e, hoje, passados, 32 anos não tem; nem o tal submarino nuclear; nem o reator nuclear do mesmo operando. É porque demonstrou enorme incompetência; isto para dizer o mínimo. Como contribuinte, me sinto roubado, pois o dinheiro gasto neste projeto deu em nada.

konner

——— ( ? ) ———

Robson Br

Todo o avanço nesta área foi exclusivamente pela persistência de alguns visionários patriotas (basta ver o salários deles). Os resultado das pesquisas da MB não são só militares são também para uso civil. Hoje o que dominamos na área nuclear são resultados destas pesquisas. A MB pode não ter o reator pronto, mas domina o ciclo. Agora é so por a mão na massa… Não concordo com o posicionamento do Blog. Me desculpe Galante, Poggio,etc.. pessoas que não conheço, mas tenho adimiração e respeito pelo também idealismo em colocar e manter este serviço: “Poder Naval”. Mas desde que comecei a… Read more »

molleri

Apoio o Galante em gênero número e grau. Estamos jogando pelo ralo anos e anos de formação de pessoal e de cadeia logística caríssima e adequada. Estamos querendo reinventar a roda. Já vi esse filme antes!

Gunter

Hornet e Robson Br! Leiam alguma coisa do blog do sr. Molleri e entenderão o comentário dele!

Ricimer

O prazer de abordar de um dado assunto deve ser o único critério editorial de um blog. Particularmente não me importa que os editores mudem de opinião duas vezes por dia sobre um tema, desde que mantenham sua paixão pelo mesmo e explorem o assunto o máximo que puderem. Me surpreende a quantidade de colegas que ignora a necessidade psicológica de conflito iminente para a sustentação de um programa de SN com resultado efetivo. Não bastasse a ausência de tal cenário, a massa crítica intelectual brasileira é, no momento, insuficiente. Com relação a projetos em tecnologia militar avançada, estes são… Read more »

marujo.

Parece que o blog está em campanha contra o sub nuclear e os convencionais Skorpene, tal a frequencia que publica artigos contrários à escolha da MB.

marujo.

Enfim, para o blog só serve o U-214. Não é mesmo,Galante? Seu comentário neste post foi mais do que esclarecedor.

Hornet

Noel, não tem jeito disso acontecer, seja na área militar ou civil. O conhecimento adquirido não se perde nunca, pois ele é impessoal. Acho que o que vc está se referindo é a outra coisa. Talvez, vc esteja se referindo a continuidade e avanço no conhecimento….mas isso é outra coisa. Seja como for, no caso do projeto nuclear da MB especificamente nada foi perdido. Ao contrário, desenvolvemos uma centrífuga totalmente original, um marco na C&T do Brasil. O que ocorreu nos anos 80 e 90 (e até começo dos anos 2000) foi o seguinte: o projeto foi levado em “banho… Read more »

Noel

Hornet, infelizmente, no caso de pesquisa/desenvolvimento ou técnica, na área militar, muitas vezes acontece exatamente o inverso do que vc postou, não é incomum o conhecimento ficar restrito a grupo de pessoas, ou mesmo a pessoa. Pois é, muitas vezes perde-se sim. E não é tão raro o conhecimento “evaporar” com a pessoa, isto esta errado, não deveria acontecer, mas acontece. Dependendo do período envolvido, surge o “gap”, claro que pode ser revertido, com recapacitação e/ou capacitação de novos quadros, mas o “gap” existe, é real, e sua reversão tem um custo. Embora eu não conheça as entranhas da Marinha,… Read more »

Hornet

Estamos jogando pelo ralo?!!! Não entendi! Como assim? De onde vcs acham que está vindo o reator nuclear que usaremos em nosso sub nuc? Não vamos, de novo, confundir a época de falta de verbas para as FAs que o Brasil teve durante as décadas de 80 e 90, com o tempo atual e nem com o trabalho realizado pela MB no projeto nuclear. Uma coisa é andar devagar por falta de verbas, outra coisa é jogar pelo ralo o que foi feito. Quem aqui já participou de algum projeto de natureza científica e tecnológica sabe muito bem que o… Read more »

Alexandre Galante

Prezado Hornet, a coisa não é bem assim. Em todo projeto como esse, os talentos pessoais são fundamentais. É como você dizer que o primeiro submarino nuclear USS Nautilus teria ficado pronto no mesmo tempo sem a direção do almirante Rickover. A própria Marinha do Brasil reconhece que perdeu grande parte de sua mão de obra técnica especializada na construção de submarinos. Faltam soldadores, por exemplo, que se aposentaram. Esse tipo de cara você não encontra na esquina e não forma da noite para o dia. É a mesma coisa com os engenheiros. ARAMAR ainda está a passos de tartaruga,… Read more »

Hornet

ops! correção: “Perdemos a parte humana” = perdemos uma parte da parte humana

Não creio que tenhamos perdido todos os técnicos e engeheiros do LABGENE, pois ele nunca parou de funcionar totalmente.

Alte. doenitz

Gente,

Não entendi nada dos comentários. Tava lendo uma matéria publicada há mais de 20 anos e quando fui ler os comentários tinha um monte de ataque ao blog, perguntando qual o posicionamento desses caras, campanha contra o submarino nuclear, etc.

Pelo amor de Deus! Pelo menos comentem a notícia (ou não digam nada).

Nunão

Senhores, O objetivo de publicar uma matéria histórica é, justamente, ajudar no debate da história. Prognósticos para o futuro sempre são possíveis de serem feitos, porém o que vai acontecer no futuro não está escrito,o passado sim, é escrito e não é fixo: é construído, interpretado, como por exemplo o leitor Hornet, historiador, bem deve saber. O Blog aqui se utiliza do passado para ajudar numa discussão do presente e numa ideia de futuro. Há diferenças importantes em relação ao passado? Sim, há. Mas há também permanências importantes, coisas que não mudam com a velocidade que se desejaria. Para isso,… Read more »

Hornet

Galante, só vi seu comentário aqui agora. Desculpa por não ter respondido antes. O meu ponto de vista é o seguinte: o conhecimento não se perde, porque ele é impessoal. O que vc (e os demias amigos do blog) está se referindo é ao treinamento de pessoal. Mas são coisas diferentes: treinamento é uma coisa, conhecimento é outra coisa. Quando explodiu a base de lançamento do VLS, matando, infelizmente, o pessoal técnico, o que aconteceu foi que perdemos o pessoal treinado. Isso é uma coisa. Perder o conhecimento adquirido é outra coisa. Perceba a diferença. E o que eu afirmei… Read more »