Cabotagem tenta superar dificuldades para crescer

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Mercante

ClippingNEWS-PAO descompasso entre o ritmo de formação de profissionais de marinha mercante (marítimos oficiais e subalternos) e a absorção desses trabalhadores pelas empresas é atualmente um dos maiores entraves ao crescimento da navegação de cabotagem no País. Os navios que transportam cargas ao longo da costa brasileira disputam homem a homem com as embarcações de longo curso e, principalmente, com as petroleiras, os escassos profissionais.

Quem explica a situação é Gustavo Costa, gerente de cabotagem da Aliança Navegação e Logística. “A questão da falta de tripulação é muito séria. Com as encomendas da Petrobras, a formação de oficiais de marinha mercante tornou-se menor que a demanda. É necessário aumentar a quantidade de formandos, por isso, as entidades de classe discutem com a Marinha o aumento de vagas ou a permissão para que estrangeiros possam trabalhar, sobretudo nas operações de offshore”, afirma ele.

O déficit de oficiais deixará em aberto cerca de 1,2 mil postos de trabalho até 2013, segundo estima o gerente geral de frotas e operações da Mercosul Line, Claudio Marcos Rosa. Ele revela que mesmo a Petrobrás e suas empresas parceiras – que absorvem grande parte desses trabalhadores – sentem a defasagem. O executivo conta que, apesar de a Marinha já ter reativado o processo de formação, os profissionais que estão sendo preparados só chegarão ao mercado em 2014.

A formação destes profissionais é atribuição exclusiva da Marinha do Brasil, que mantém duas Escolas de Formação de Oficiais de Marinha Mercante (Efomm), O Centro de Instrução Almirante Braz de Aguiar (Ciaba), em Belém do Pará, e o Centro de Instrução Almirante Graça Aranha (Ciaga), no Rio de Janeiro. Segundo informações da assessoria de imprensa da Marinha, o crescimento na oferta de marítimos, tanto oficiais quanto subalternos, só deverá ultrapassar a demanda em 2015.

Segundo a instituição, em 2000, foram disponibilizados 99 novos oficiais. Dez anos depois o número de formandos chegou a 580 e o ano de 2011 deve encerrar com a graduação de 700 oficiais para a marinha mercante. A expectativa da Marinha é que, ainda em 2011, sejam formados 15 mil novos marítimos subalternos. A formação de oficiais deve chegar a mil profissionais por ano em 2014.

A ampliação dos serviços de transporte marítimo de cargas nacionais esbarra, também, em outro dos reflexos da expansão da atividade petroleira no País e das perspectivas criadas pelos poços encontrados na camada pré-sal. Os estaleiros do Brasil estão, quase em sua totalidade, dedicados a construir embarcações para a extração e o transporte de petróleo.

Como admite o executivo da Aliança, o mercado potencial existe, mas o crescimento está limitado à capacidade de transporte dos armadores. O aumento dessa capacidade demanda um número maior de navios ou a substituição dos atuais (no Rio Grande do Sul a empresa opera com embarcações full contêiner 1500 PIUs) por outros maiores. “A verdade é que, nesse setor, faltam até engenheiros navais”, lamenta Costa.

Uma realidade que não chega a surpreender. Costa lembra que, apesar do extenso litoral e do uso do modal marítimo para o transporte interno de cargas desde o período colonial, o Brasil “abandonou” a cabotagem na década de 1950, quando as políticas públicas passaram a incentivar transporte por rodovias. O período de hiperinflação, entre 1980 e 1994, também penalizou o modal, considerado lento. “A cabotagem praticamente só ressurgiu em 1998, quando a Aliança retomou as atividades. Agora, em 2011, chegamos à marca de quatro grandes armadores operando no mercado”, afirma Costa.
Estado envia produtos, mas recebe poucas cargas pelo mar

O porto de Rio Grande é o terceiro maior emissor de cargas por cabotagem do País, atrás apenas de Manaus (que movimenta, sobretudo, as cargas de eletroeletrônicos da Zona Franca) e de Santos, que concentra as atividades da região Sudeste. Segundo as empresas de logística, o maior volume de embarques gaúchos corresponde ao envio de arroz para as regiões Sudeste, Norte e Nordeste, mas o transporte de tabaco e carnes também é importante para a navegação pela costa. O arroz gaúcho, que embarca embalado, vai de navio para clientes de todo o País. Segundo Gustavo Costa, gerente de cabotagem da Aliança Navegação e Logística, os principais destinos são São Paulo, Rio de Janeiro, Bahia, Ceará e Pernambuco. “O que fazemos é um transporte porta a porta. Então recolhemos nas indústrias de beneficiamento e entregamos aos supermercados ou distribuidores. As grandes indústrias têm a cabotagem como principal elo logístico, sobretudo para Norte e Nordeste”, afirmou.

Para a Mercosul Line, que ainda estuda o mercado emissor gaúcho, o transporte do arroz torna-se interessante não só pelo volume de cargas, mas também pela constância. As remessas do cereal para os demais estados não têm flutuação decorrente da safra, como acontece com outros produtos agrícolas, como é o caso do tabaco – o terceiro item na escala do transporte por cabotagem no Estado. Na lista dos três mais aparecem, ainda, as carnes frigorificadas, que viajam em contêineres climatizados. Os principais destinos das carnes congeladas de gado e de frango (produzidas tanto no Rio Grande do Sul quanto em Santa Catarina) são os estados do Nordeste, com destaque para a Bahia e Pernambuco.

Em todas essas operações, o transporte marítimo é combinado com dois trechos rodoviários, entre a indústria e o porto de origem e entre o porto de destino e o supermercado. A retirada dos caminhões das estradas é apontado, pelas empresas de navegação, como um dos impactos mais positivos da cabotagem. Na avaliação de Costa, a modalidade não deve ser vista como um concorrente “social” do transporte rodoviário, já que demanda o serviço para trechos menores e possibilita que os caminhoneiros tenham um ganho de qualidade de vida, ao não se ausentarem de casa por longos períodos.

“Além da sustentabilidade social que a cabotagem proporciona, temos uma redução importante do impacto ambiental do transporte. Vamos exemplificar com o transporte de mil toneladas de arroz, entre Pelotas (RS) e Fortaleza (CE) – ou seja, entre os portos de Rio Grande e Pecém. Para cada quilo de arroz transportado por rodovia temos a liberação de 225 gramas de gás carbônico na atmosfera. Com a cabotagem, a emissão de CO2 cai para 70 gramas por quilo transportado, uma redução de quase 70%.” O gerente geral de frotas da Mercosul Line, Claudio Rosa, aponta a segurança como grande diferencial da cabotagem. Ele explica que o custo do frete em si é muito próximo ao cobrado pelo transporte rodoviário, mas a redução de riscos torna o transporte por navio mais interessante. Um fator, disse ele, que ganha relevância em proporção ao valor da carga. “Quem faz uso constante disso são as indústrias instaladas em Manaus, que mandam eletroeletrônicos para os outros estados do País. Este transporte chega ao Sul do País depois de uma conexão, normalmente feita no porto de Santos.”

Outro ponto favorável é o alívio proporcionado aos estoques domésticos. Rosa explica que a vazão das redes de varejo para a indústria nem sempre acompanha o ritmo de produção, então, como forma de incentivo, as empresas de transporte marítimo oferecem armazenagem gratuita por tempo livre. “Já a carga importada tem, por determinação das autoridades portuárias, uma cobrança de armazenagem, que é calculada sobre o preço da mercadoria. Essa coordenação pode ser um entrave para a fluidez da cabotagem, mas também é vista como uma vantagem pelo varejo. Nessa época do ano, de preparação para o Natal, os eletrônicos são recebidos de imediato, em outras épocas, a loja já está cheia e o produto precisa esperar para ser levado ao estoque.”

SPH pretende retomar transporte fluvial para abastecer os portos

Retomar o transporte de contêineres por barcaças na Lagoa dos Patos e rio Jacuí até o porto do Rio Grande é uma das metas da Superintendência de Portos e Hidrovias (SPH) e um desejo dos armadores diz o superintendente da SPH, Vanderlan Vasconselos. Entretanto, Claudio Rosa, da Mercosul Line, diz que o impacto sobre a cabotagem deve ser pequeno. O executivo, que estuda o mercado gaúcho e pensa em operar no Estado em 2012, explica que a falta de berços apropriados para as barcaças em Rio Grande dificulta a passagem das cargas para os navios. “Percebo que desde o momento em que as cargas passaram a ser transportadas em contêineres, o fluxo de barcaças fluviais, com carga solta, tem diminuído. Essa modalidade sobrevive sobretudo na região norte, entre Manaus e Belém, mas tem potencial de retomada tanto na Lagoa dos Patos quanto no rio Paraná”, diz Rosa.

Rosa explica que a vantagem do transporte fluvial está atrelada à proximidade entre o porto e a planta industrial, além do conhecimento necessário para vencer a burocracia. Vasconcelos está convencido de que a retomada da navegação fluvial é o que há de mais favorável à logística do Estado. Ele explica que o SPH tem feito diversas reuniões, mas que ainda não encontrou uma empresa que atenda às necessidades do Estado.

O superintendente espera o apoio de uma entidade privada para abrir uma licitação. “Hoje não temos os recursos necessários, então abrimos a possibilidade para que algum empreendedor faça os estudos de viabilidade técnica, econômica e o licenciamento ambiental. Queremos licitar os portos de Porto Alegre, Pelotas e Cachoeira do Sul e a empresa vencedora levaria um contrato de 25 anos”, revela ele.

Burocracia diminui o número de embarques

A concorrência no transporte de cabotagem não é feita entre os armadores, as empresas de logística que operam as embarcações, mas entre a modalidade e o transporte rodoviário. Isso porque a documentação exigida para o embarque das cargas é muito diferente e, muitas vezes, representa um empecilho para a efetivação do transporte. A questão central, segundo os armadores, é a exigência do registro da carga junto ao Siscomex Carga, um sistema da Receita Federal que controla a movimentação de embarcações, cargas e contêineres vazios pelos portos brasileiros.

Embora tenha sido desenvolvido como um instrumento de controle aduaneiro (ou seja, para atender o comércio exterior), todas as cargas transportadas pelos navios que fazem a cabotagem precisam estar registradas, o que demanda uma estrutura de pessoal permanente nos portos para dar conta da burocracia. Outra exigência feita às cargas nacionais é o recolhimento de uma taxa de marinha mercante. O não recolhimento desse imposto provoca o bloqueio da carga, ou seja, sem a quitação não é possível embarcar o produto. Como os portos brasileiros funcionam, sem sua maioria, em capacidade máxima, o tempo de atracação é limitado e, se o proprietário da carga não faz a quitação a tempo, perde o embarque – o que provoca o imediato direcionamento dos contêineres para o transporte rodoviário, que tem como exigência burocrática apenas a nota fiscal.

O congestionamento se explica pela disputa de berços (pontos de atracação) entre os navios de cabotagem e as embarcações usadas por armadores de longo curso. “Por ética e por reconhecer o valor estratégico da cabotagem, os terminais têm dado espaço, mas a estrutura não permite ampliação nos portos de Paranaguá, Suape, Santos e Rio Grande”, afirmou Claudio Rosa, ao apontar que o terminal gaúcho melhorou muito a performance, porém ainda limita a cabotagem a apenas três berços de atracação. A quantidade é considerada pequena, pela análise do potencial de cargas. Dados da Mercosul Line indicam que apenas um quinto das cargas que viajam em longas distâncias no Brasil (mais de 1.500 quilômetros) são transportadas por navios de cabotagem.

FONTE: Jornal do Commercio (RS)/Clarisse de Freitas

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