Conheça um pouco da história desse militar que esteve presente em momentos decisivos da história do Brasil e da Força Naval

O Brasil se despede, nesta sexta-feira (6), do Almirante de Esquadra, ex-Ministro da Marinha (1984-1985) e submarinista, que dedicou mais de 80 anos à Força Naval. A biografia de Alfredo Karam, filho de uma brasileira e de um Tenente do Exército libanês, se cruza com as histórias do Brasil e da Marinha.

A mais recente delas aconteceu em março deste ano: o lançamento da terceira unidade do Programa de Desenvolvimento de Submarinos, o “Tonelero” (S-42), testemunhado por ele, in loco, no Complexo Naval de Itaguaí. Na ocasião, foi homenageado com aplausos pelo aniversário de 100 anos, que seria comemorado no dia seguinte.Presenciar este novo marco para o País, que apresentou à sociedade um submarino totalmente construído em território nacional, foi uma experiência bem diferente daquela de quando o então Capitão de Mar e Guerra Karam comandou a Comissão de Fiscalização e Recebimento de Submarinos, no início da década de 1970.

Ele presidia o grupo encarregado de acompanhar a construção dos submarinos da Classe “Oberon”, na Inglaterra, entre os quais, o primeiro a ser batizado de “Tonelero” (S-21). Era também algo histórico para a época, já que o propósito era renovar a frota, formada, em sua maioria, por modelos veteranos da Segunda Guerra Mundial.

Ex-Ministro da Marinha foi aplaudido durante o lançamento do Submarino “Tonelero”, em Itaguaí (RJ) – Imagem: Sargento Boaventura/ Marinha do Brasil

Medalha por bravura

No segundo maior conflito da história da humanidade, o Brasil contava com poucos submarinos, que eram de origem italiana: o “Tupy”, o “Tymbira” e o “Tamoyo”, da Classe “Perla”, com cerca de 60 metros de comprimento, e o “Humaytá”, da Classe “Balilla”, com quase de 90 metros. Pouco faziam frente aos mais de 1.500 submersíveis alemães, que tanto prejuízo causaram às Marinhas Mercantes dos “Aliados”.

O Almirante Karam ainda era Aspirante na Escola Naval, quando o Brasil declarou guerra aos países do “Eixo”, após ter seis navios comerciais afundados por um único submarino alemão.“Confesso que eu e meus colegas de turma estávamos acompanhando as notícias que vinham pelo rádio. Em se tratando do Estado de Guerra que o Brasil se encontrava, os Guardas-Marinha não tiveram viagem de instrução.

Em uma semana, foram apresentados à Diretoria de Pessoal, que os designou para os diferentes navios”, disse, certa vez, o Almirante, que serviu, primeiramente, na corveta “Jaceguai”, da Força Naval do Sul, e, em seguida, no Contratorpedeiro de Escolta “Bauru”, da Força Naval do Nordeste. “A missão principal da Esquadra brasileira era patrulhar o Atlântico Sul”. Pela bravura, o jovem Segundo-Tenente Karam foi condecorado com a Medalha de Serviço de Guerra de duas estrelas.

Corveta “Jaceguai”, navio em que o então Guarda-Marinha Karam serviu, ainda na Segunda Guerra Mundial – Imagem: Marinha do Brasil

Marinheiro até debaixo d’água

Ser submarinista sempre foi um sonho para ele, que, ainda garoto, na década de 1940, teve a oportunidade de visitar os submarinos docados no Arsenal de Marinha do Rio de Janeiro, antiga Capital Federal. Foi quando, aluno do Colégio Militar do Rio de Janeiro (CMRJ), participou do lançamento do Contratorpedeiro “Marcílio Dias”. “Acabou [a cerimônia], viemos andando pelo cais e, na Doca ‘11 de Junho’, estavam atracados três submarinos.

Eu visitei dois: o ‘Humaytá’, que também estava lá e era maior, e o ‘Tupy’. Ainda me lembro disso. Percorri aquilo tudo e saí fascinado”, costumava contar ele, como se revivesse o momento.Quando foi promovido a Primeiro-Tenente e pôde escolher sua especialidade, não teve dúvidas: “quero ser submarinista.

E foi assim que eu ingressei em Mocanguê Grande pela primeira vez”, lembrava, referindo-se à ilha onde estavam sediadas a Flotilha de Submarinos e a Escola de Submarinos naquela época. Depois de embarcar no Submarino “Tymbira”, ele lembra que foi designado, com outros Oficiais submarinistas, para um curso de especialização na cidade de New London, nos Estados Unidos. “Do curso, embarquei quatro meses e meio em um submarino americano. ‘Sablefish’! Embarquei lá e recebi o brevê americano. Fui qualificado submarinista americano”, disse em outro momento, com orgulho.

O jovem militar Karam estava na multidão que acompanhou o lançamento do contratorpedeiro “Marcílio Dias”, em julho de 1940, no Arsenal de Marinha do Rio de Janeiro – Imagem: Marinha do Brasil

Conhecimento compartilhado

Seu primeiro comando, como Capitão-Tenente, foi no Caça-Submarino “Grajaú”, um dos oito construídos com casco de aço e doados pelos Estados Unidos, que ficaram conhecidos como “caça-ferro”. No ano seguinte, em 1956, o então Capitão de Corveta Karam tomou conhecimento de que a Marinha receberia dois submarinos americanos da Classe “Fleet Type”. Mais do que depressa, redigiu um compilado sobre essas unidades. “Não tinha nada em português a respeito desses submarinos. Nada. Tudo em inglês. Peguei meus alfarrábios do curso na América e um manual americano chamado ‘The Fleet Type Manual’. Li aquelas anotações e fiz uma apostila de 210 páginas. Fiz em pouco tempo”, recordou em conversa com a Agência Marinha.

Caça-Submarino “Grajaú”

Esse material lhe rendeu uma nova viagem para os Estados Unidos, onde integrou a Comissão de Recebimento de Submarinos, sendo responsável pela instrução das futuras tripulações. Esta foi a segunda comissão de que participou no exterior, relacionada a submarinos, quando o País recebeu os submarinos “Riachuelo” e “Humaitá”, antigos USS “Paddle” e USS “Muskallunge”. Houve ainda uma terceira, na Inglaterra. Já como Capitão de Mar e Guerra, foi designado, desta vez, para presidir a Comissão de Fiscalização e Recebimento de Submarinos, no início da década de 1970, a fim de acompanhar a construção dos submarinos “Humaitá”, “Tonelero” e “Riachuelo” na Inglaterra.

Submarino Rio Grande do Sul – S11, Fleet Type II
Recebimento do Submarino Humaitá – S20, na Inglaterra

Apesar das diferentes comissões o afastarem, por muitas vezes, da sua especialidade ― chegou a comandar a Base Aérea Naval de São Pedro da Aldeia e o Centro de Instrução Almirante Marques de Leão, carinhosamente chamado de “Camaleão” ―, sempre acabava voltando para a profissão que escolhera. “A carreira é uma escola de aprendizagem. Cada lugar que você vai, se você levar a sério, com amor à farda, com amor à carreira, você vai aprendendo sempre. Onde eu aprendi muito foi no ‘Camaleão’, sobre guerra de superfície. Até o treinador de tática eu guarneci. Em São Pedro da Aldeia, eu aprendi a pilotar. Mas não, não. Meu negócio é lá embaixo”, afirmava, sorrindo, ao se referir às águas profundas.

Na época como Capitão de Mar e Guerra, Karam presidiu a Comissão de Fiscalização e Recebimento de Submarinos, na Inglaterra, onde conheceu a Rainha Elizabeth II – Imagem: Marinha do Brasil

FONTE: Agência Marinha de Notícias

NOTA DO PODER NAVAL: O brilhante Almirante Karam era amigo do jornalista Roberto Lopes, colaborador do Poder Naval. Na foto abaixo, Roberto Lopes presenteia o Almirante Karam com o nosso livro “Monitor Parnaíba – 75 anos“, em 2015.

Subscribe
Notify of
guest

34 Comentários
oldest
newest most voted
Inline Feedbacks
View all comments
Willber Rodrigues

Como diría-mos na Bahia: o cabra é brabo.
Fez muito pela força de submarinos, fico feliz que ele estava vivo pra ver os Riachuelos tomando forma e ver o 1° deles indo pra água.
Vá em paz.

Last edited 1 mês atrás by Willber Rodrigues
Antonio Palhares

Digo a mesma coisa. O conheci pessoalmente.

Salomon

Também o conheci pessoalmente, como ministro, e desde então só tenho admiração. Deus o tenha.

Dalton

Para quem não sabe ou não lembra, esse grande brasileiro foi pai do ator e humorista Guilherme Karan que pessoalmente achava muito divertido que faleceu decorrente de uma doença degenerativa que também matou outros 2 dos 4 filhos que teve.
.

LucianoSR71

É a terrível Doença de Machado-Joseph que é hereditária.

LucianoSR71

O jornalista Arnaldo Duran também tem essa doença.

Santamariense

Sim. Tenho casos na família, inclusive com óbito. É uma doença muito complicada.

LucianoSR71

Meus sentimentos, em minhas orações sempre peço pelos que sofrem c/ essas doenças e seus familiares e amigos. Minha mãe foi diagnosticada c/ Alzheimer e Parkinson, mas antes que chegasse num nível mais agudo teve outras complicações que a levaram, já internada, sofrer diversas paradas cardíacas sucessivas o que comprometeu sua atividade cerebral, passando um mês vegetando, mesmo que tivesse apenas cuidados paliativos – todos na família já deixaram claro que não queremos ser mantidos apenas por aparelhos. Se acreditamos em vida após essa passagem terrena, não devemos manter um corpo inerte, sem nenhuma reação, apenas p/ dizer que nosso… Read more »

Santamariense

Obrigado. E concordo plenamente com suas colocações. Abraço.

Sergio

E é a mãe, como no caso do Guilherme quem transmite aos filhos.

Guizmo

Meu Deus, nao sabia disso……que tragédia

Eduardo Câmara

Há um pequeno erro na matéria. O caça submarino Grajaú tinha o casco de aço. Os caça submarinos apelidados de “caça-pau”, pelo fato de serem de madeira, tinham seus nomes iniciados pela letra “J”.

Alexandre Galante

Obrigado pela correção, alteramos o texto. Abs!

Eduardo Câmara

O Alte. Karan teve uma carreira brilhante e plena de emoções. Que Deus o bem receba.

Cosmo

Bons ventos e mares tranquilos nessa última travessia! Sou fascinado pelas histórias pessoais de homens e mulheres que consagraram suas vidas à Marinha. Elas compõem o verdadeiro mosaico de que é feito A Força Naval.

Renato de Mello Machado

Um brasileiro de respeito RIP

Burgos

Esse nos deixou com um legado e com certeza com grandes histórias para contar.
RIP🙏 e que suas lembranças e histórias nos brindem e perpetuem tanto dentro e fora do âmbito da Marinha.
Aos familiares as minhas sinceras condolências 😞

Renato de Mello Machado

Tomara que a MB faça uma homenagem colocando seu nome em uma embarcação.De preferência um sub.

Leandro Costa

Concordo.

Antonio Palhares

Um grande militar. Um grande brasileiro.

Esteves

“Navio bom é alemão…ou italiano”,

E assinamos com o alemão.

Osvaldo Marcilio Junior

Ele era o Comandante da Marinha, quando eu ingressei no Corpo de Fuzileiros Navais em abril de 1984, foi um bom Comandante na época, descanse em Paz…ADSUMUS!!

´Rômulo Gentil

Deus te abençoe sempre.

Ozawa

Meus sentimentos à família, amigos e a MB.

Viveu uma vida de grandes realizações e, também, dores. Agora descanse em paz.

Marcelo

A marinha PERDEU uma águia….sobraram os pombos….

Sergio

rs

Sergio

Foi-se um gigante.

Pai do saudoso Guilherme ” tv pirata” Karam.

Muito sofrimento na vida pessoal.

A esposa e o Guilherme padeceram da mesma doença degenerativa antes de partir.

Ele, já idoso, enfrentou essa guerra sozinho.

Agora foi encontra-los.

Dalton

Tentei encontrar uma foto do “Jaceguai” antes da conversão para corveta, que segundo o texto foi o primeiro navio em que o Almirante serviu pois tenho um modelo na escala 1:1250 pintado de branco já que originalmente foi um Navio Hidrográfico, mas não encontrei, apesar de lembrar-me vagamente de ter visto uma foto muitos anos atrás, mas não lembro onde !
.

Dalton

Achei a foto em um “Jane’s” da II Guerra, é pequena e mostra poucos detalhes por conta do ângulo, mas, encontrei !

Burgos

Bom dia Dalton;
Gera em PDF e publica aí pra gente !!!👍
Ou manda lá pros editores e eles publicam aí na caixa de diálogos mesmo⚓️🇧🇷

Dalton

Feito Burgos, espero que goste !
https://ibb.co/fQXFQVR -> Foto de cima
https://ibb.co/PGtJSDm -> Jaceguai
https://ibb.co/ZYqMgCc -> De lado

Last edited 1 mês atrás by daltonl
Burgos

Bacana 💪⚓️🇧🇷
Marinha da época !!!
Conta-se história pros filhos e eles não acreditam que a Marinha da época era assim

Dalton

Como diz o ditado “Nem tanto ao mar, nem tanto à terra” Burgos. . Da esquerda para direita se tem: . Encouraçado São Paulo que não passou pela modernização feita no “Minas Gerais” e encontrava-se em péssimo estado, de qualquer forma ambos foram inúteis na guerra contra submarinos. . O pequeno cruzador de triste fama “Bahia” que empalidecia diante dos cruzadores argentinos da época. . Contratorpedeiro de Escolta “Bauru” que foi transferido para a marinha brasileira no fim da guerra. . Contratorpedeiro “Maranhão” o melhorzinho em 1940, o único que não usava carvão como combustível, antigo e pequeno não dispunha… Read more »

João

Pai do falecido ator Guilherme Karam