A História Naval e o Cinema: uma viagem no tempo

Sérgio Vieira Reale
Capitão-de-Fragata (RM1)
“O valor prático da história consiste em passar o filme do passado por meio do projetor do presente sobre a tela do futuro”. LIDDELL HART[1]
A História Naval, parte integrante da História Marítima, diz respeito aos fatos que envolvem a vida naval e a guerra no mar, mais especificamente, o emprego de um Poder Naval[2] na disputa pelo controle de uma área marítima.
Luz, câmera e ação! O encontro da história com o cinema começou no alvorecer do século XX. O cinema passou a ser um meio de representação historiográfica e ao longo do tempo uma fonte de pesquisa histórica.
O filme histórico é a narrativa de um fato passado, que pode ser considerado um documento histórico e um recurso audiovisual dinâmico. Desse modo, como um filme é uma história contada por meio de imagens, também pode contribuir para o processo de aprendizagem no mundo acadêmico. Porém, o cinema é arte e entretenimento, e mesmo aqueles filmes, que foram realizados com fidelidade histórica, podem se afastar, em menor ou maior grau, da verdade documental.
O mar sempre foi um cenário inspirador! A relação, mais especificamente, entre a História Naval e o cinema é antiga. Não é de hoje que contribui para o conhecimento desta parte da História Militar e Marítima; tanto para os que já são familiarizados com o tema quanto para aqueles que passaram a se interessar pelo assunto.
Desde a Antiguidade[3] o uso do mar, como fonte natural de recursos e meio de circulação de riquezas, causou o aparecimento da pirataria e despertou interesses antagônicos. A progressiva ameaça ao comércio marítimo acarretou o surgimento do navio de guerra para proteger os navios mercantes. Nascia assim a Marinha de Guerra.
A guerra naval na Antiguidade e na Idade Média[4] era realizada de acordo com as seguintes fases: manobras de aproximação entre os navios, lançamento de armas de arremesso (flechas, dardos e misturas incendiárias) e, após a abordagem, luta corpo a corpo nos convés utilizando armas brancas. Naquele período, duas táticas predominavam. O abalroamento que combinava choque e movimento e a abordagem.
O abalroamento estava associado ao uso do esporão, protuberância de bronze integrada na proa dos navios de guerra. Sua função principal era perfurar o casco. Também poderia ser empregado para atacar os remos da embarcação inimiga, com o objetivo de restringir a sua capacidade de manobra. A abordagem consistia na fixação a contrabordo do navio adversário, para proceder à luta corpo a corpo nos convés e apresar o navio como fonte de renda.
As trirremes foram os principais navios de guerra daquele período. Elas tinham três ordens de remos para aumentar a velocidade, ou seja, os remadores eram dispostos lado a lado e em níveis diferentes de bancadas.
As armas de arremesso não eram capazes de infligir danos significativos à estrutura do navio adversário. Dessa forma, até o século XV, o grande objetivo da guerra naval era neutralizar o combatente inimigo. Os navios eram movidos por remadores na aproximação para o combate. A vela quadrada era utilizada para o descanso dos remadores nas longas travessias.
A guerra no mar só iria se modificar no final da Idade Média com o surgimento do canhão. Devido ao seu crescente poder de destruição produziu significativas alterações na guerra naval. Após o sucesso observado nos combates terrestres, foram trazidos para bordo e, inicialmente, instalados na proa e na popa das embarcações devido à propulsão a remos. Para sua instalação em maior número, forçou lentamente o abandono da propulsão a remos.
Na tática, provocou a decadência da abordagem e do abalroamento. O navio adversário passaria a ser o novo objetivo da guerra naval e não mais o combatente.
À medida que o calibre e o peso dos canhões aumentaram, surgiu a necessidade de construir um convés abaixo do convés principal, e fazer aberturas no costado para instalação dos mesmos pelos bordos.
Na Idade Contemporânea[5], a História Naval foi marcada por significativas transformações tecnológicas no setor da construção, na propulsão e no armamento. A Revolução Industrial trouxe propulsão a vapor, substituição da madeira pelo ferro (couraça), projetil explosivo, o hélice para substituir as rodas de pá, o aparecimento das minas e dos torpedos.
O navio a vapor não dependia mais dos ventos para navegar. A introdução das couraças de ferro nos cascos reduziu os danos causados pelos tiros de canhões. Por outro lado, fez com que os canhões aumentassem seus calibres e se tornassem mais potentes. No que se refere à tática, a manobra dos navios buscava possuir o vento, ou seja, obter a posição do barlavento para iniciar o ataque.
No século XX, as guerras no mar não mais se restringiriam somente aos navios de guerra. O emprego de submarinos e a capacidade ofensiva da aviação embarcada, nas duas grandes guerras mundiais, trouxeram uma nova dimensão aos conflitos armados.
Na Primeira Guerra Mundial (1914 – 1918), cabe ressaltar a campanha submarina realizada pelos alemães, o emprego de comboios na proteção do tráfego marítimo e a Batalha naval da Jutlândia, entre alemães e ingleses, que envolveu 250 navios.
Na Segunda Guerra Mundial, o Navio-Aeródromo (NAe) passou a ser a unidade de maior valor da esquadra em substituição ao Encouraçado. O canhão naval atingiu o seu auge e as operações anfíbias foram muito empregadas.
Na segunda metade do século XX, o surgimento dos mísseis, em função do seu alcance, precisão e poder de causar avarias nas múltiplas ameaças, causou um novo impacto na guerra naval.
No que se refere aos avanços tecnológicos, a guerra naval no século XXI está na era da robótica e da inteligência artificial (IA). As guerras e os avanços tecnológicos sempre caminharam lado a lado. Ao longo dos séculos, a evolução da guerra naval promoveu constantes inovações na arquitetura dos navios, na propulsão, no armamento, nas comunicações e, mais recentemente, nos sistemas de dados. A guerra no mar não é um fim em si mesma e toda batalha tem algum efeito na história.
Finalmente, segue uma viagem pela história naval por meio de cenas de filmes, ambientados em diferentes períodos, aclamados tanto pela crítica quanto pelo público.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS E SITES CONSULTADOS
- ALBUQUERQUE, Antônio Luiz Porto; SILVA, Léo Fonseca e. Fatos da História Naval. 2.ed. Rio de Janeiro: Serviço de Documentação da Marinha. 2006.
- LIDDELL, H. As grandes guerras da história. São Paulo, Ibrasa. 1982.
- VIDIGAL, Armando e de Almeida, Francisco Eduardo Alves. Guerra no Mar: batalhas e campanhas navais que mudaram a história. Record. 2009.
- JUNIOR, Haroldo Basto Cordeiro. DE ARS BELLUM. O estado da arte bélica no inicio do século XX. Revista Marítima Brasileira, Rio de Janeiro, v. 121, n. 01/03, jan/mar. 2001.
[1] Historiador e militar britânico (1895-1970)
2 O Poder Naval é o braço armado do Poder Marítimo. Compreende os meios navais, aeronavais e de fuzileiros navais, as bases e posições de apoio da Marinha.
3 Período compreendido entre a invenção da escrita e a queda do Império Romano Ocidente 476 d.C
[4] Período compreendido entre a queda do Império Romano do Ocidente 476 d.C e a conquista de Constantinopla pelos turcos otomanos em 1453 d.C
[5] Período compreendido entre a Revolução Francesa, em 1789, e os dias de hoje.
Quando criança o filme que me inspirou foi o Tora,tora,tora.
Top Gun entre outros mais atuais eu já estava na MB ⚓️
Cena muito boa de um filme desconhecido que parece ser na era napoleônica.
Parece não. É durante as Guerras Napoleônicas mesmo. Adaptação da série de livros de C.S. Forester. É um bom filme.
E fique de olho na série “Hornblower” que conta o início da carreira dele. Passou no final dos anos 90 à reboque da série do “Sharpe.” Muito boa e achei muito bem feita para um orçamento de série inglesa daquela época. Acho que foram 3 temporadas ou algo assim, com uns 3 episódios cada.
Um filme muito bom também é O Grande Motim,não tem combate entre navios ,mas demonstra como a soberba e abuso da hierarquia do comandante levam á revolta da tripulação.
Tenho um livro sobre o motim no Bounty…
A epopéia do Bligth remando em um escaler até o Timor, por mais de 6 mil km, é uma epopéia digna da escapada do Shackelton.
Blight foi submetido à corte marcial pela perda do navio, tendo sido absolvido..
Mas concordo com vc….o filme é muito bom
Com exceção de Pearl Harbour ( um romancezinho água com acúcar insuportável, apenas o ataque japonês a Pearl Harbour e a Operação Doolitle prestam ), todas as outras indicações são excelentes.
Willber, a palavra “Harbor” no inglês americano não tem ‘u.’ Só no inglês Britânico. De qualquer maneira nem as cenas do ataque em Pearl (sem o Harbor para não encher o saco), e o ataque de Doolittle salvam aquele ‘filme’ para mim. Pearl Harbor 2001 é xexelento em todos os aspectos. Mesmo usando Zero original em condição de vôo e P-40’s… não dá… é horroroso mesmo.
O filme se chama Pearl Harbor mas termina com o ataque de Doolittle porque eu acho que em 2001 não ficaria bem fazer um filme que terminasse com os EUA “derrotados”. O ataque Doolittle no filme torna o filme muito longo. Apenas o ataque do Doolittle renderia um filme próprio e muito bom, basta se basear no “30 segundos sobre Tóquio”. E eu não consigo entender como o personagem do Ben Affleck tendo indo combater como voluntário na Europa voando P-40 contra Me-109 sabia muito mais sobre os Zero do que o pessoal que servia em Pearl Harbour (eu sempre… Read more »
O “filme” conseguiu estragar mesmo o “ataque de Doolitle”, não foi daquela forma, não causou tantos danos, etc, ousado, corajoso, mas, poucos danos e ainda acrescentaram o número “8” na parte dianteira do convés do “Hornet”
sendo que essa prática começou apenas em 1943 então o “Hornet” que seria afundado em outubro de 1942 nunca recebeu seu número “8”.
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Uma das vezes que saí do cinema lamentando o gasto com o ingresso 🙁
Sim, o forte do ataque Doolittle não foram os danos que ele causou. O autor de “30 segundos sobre Tóquio” afirma ter sobrevoado o Palácio Imperial, mas ele tinha ordens de não atacá-lo.
O mais importante desse ataque foi a mensagem que ele mandou.
Concordo com o que vocês dois escreveram acima. E só para acrescentar, o ataque de Doolittle realmente não saiu como planejado. Ele deveria inicialmente ser um ataque duplo. Depois devido à falta de tempo, ele deveria ser seguido por mais dois ataques aéreos em rápida sequência, seguido de uma campanha de bombardeio mais ou menos sustentável à partir de bases na China. Em Fevereiro de 1942, um grupo de B-17’s foi enviado à China para fazer parte do ataque. Era a Força-Tarefa Aquila. Chegaram até a Índia antes de a missão ser cancelada. Isso foi descrito por Robert L. Scott,… Read more »
Não é filme de guerra, mas O Pirata Sangrento (The Crimsom Pirate, 1952) com o Burt Lancaster era um barato – tinha balão e submarino junto com galeão 🤪🤣
Nunca me esqueço do diálogo do Grande Motim, com Marlon Brando.
Quando Blight embarca na escaler para ser abandonada a deriva, Fletcher Christian entrega a ele uma açoite.
– Leve sua bandeira…
Blight responde:
– Minha bandeira é a do Reino Unido !
Fletcher compreendeu que ele agora é um expatriado…um caminho sem volta.
Boa noite, em relação ao filme “o grande motim” existe a versão de 1935 com Clark gable no papel de Fletcher Cristian.
Boa noite !
Sim, e existe um tb mais recente com Anthony Hopkins e Mel Gibson…
Tenho um exemplar da National Geografic (da época do guaraná com rolha) sobre a ilha de Pitcairn…e dos descendentes dos amotinados….
O trailer dessa versão está na matéria (The Bounty).
Não acredito que não incluíram o ‘crássico’ Top Gang (Hot Shots!), c/ a participação do famoso porta-aviões USS Essess – imperdoável!
Eu estava lendo o artigo e enquanto falava do combate entre navios antigos a remo, eu só conseguia lembrar da cena em Ben Hur e parece que o autor também que nem me deu o trabalho de procurá-la, já colocando no artigo.
Caramba, que matéria legal com essas cenas do youtube ao final. Parabéns. Sobre batalhas navais, não vi muito mais do que os colegas falaram acima. Mas sobre cenas de batalha épicas, na terra mesmo, um dos que mais gosto é “Alexandre Nevsky” de 1938, um clássico, bem como “O resgate do soldado Ryan”, aquela cena inicial faz a gente se sentir desembarcando na Normandia em 1944. E pensar que a realidade deve ter sido bem pior. Outro filme que gostei muito foi “Glória feita de sangue”, mostra bem o conflito mental de um oficial ao lhe ser ordenado algo absurdo.… Read more »
Quando o Resgate do Soldado Ryan saiu, Spielberg fez uma pré estreia especial para veteranos da segunda guerra. Vários saíram durante o filme. Perguntados se acharam o filme ruim eles disseram que não, é que essas cenas estavam tão reais que despertaram traumas adormecidos neles.
Obrigado.
Aliás parceria que deu certo (Spielberg/Tom Hanks) e que nos agraciou com vários filmes de guerra que inclusive o Hanks foi indicado a um prêmio do Governo dos EUA por isso, mas só que não o Pres. Rep. dos EUA mandou “gongar” a entrega do prêmio por questões ideológicas políticas/partidárias.
Lamentável 😰
Política/Justiça entre outros, fazendo suas lambanças 🤦♂️