A História Naval e o Cinema: o clássico ‘Tubarão’ e a tragédia do cruzador USS Indianapolis
Sérgio Vieira Reale
Capitão-de-Fragata (RM1)
Introdução
A História Naval e o Cinema é uma coletânea de resenhas sobre filmes e séries cinematográficas, que abordam fatos marcantes da guerra no mar. As resenhas podem ser baseadas em fatos reais ou fictícios e têm as seguintes finalidades: despertar nos leitores o interesse em assistir ou rever os filmes e as séries selecionadas; utilizá-las no meio acadêmico como fonte histórica; e contribuir para o fomento da mentalidade de defesa nacional.
A história naval, que faz parte dos currículos das instituições de ensino da Marinha do Brasil, também é uma forma de preparação para a guerra no mar. Vale ressaltar que, ao contrário das outras profissões, a grande maioria dos militares não irá vivenciar a realidade de uma guerra.
Luz, Câmera, Ação !
O filme histórico é a narrativa de um fato passado, que pode ser considerado um documento histórico. Entretanto, o cinema é arte e entretenimento e, nesse sentido, os filmes podem se afastar, em menor ou maior grau, da verdade documental. O cinema possui liberdade artística para narrar um fato histórico, que nem sempre estará plenamente de acordo com o que aconteceu na realidade. Por outro lado, existe uma responsabilidade de como se leva a história para o cinema. Muitas pessoas não farão uma pesquisa sobre aquele fato ou em relação àquela figura histórica. Assim sendo, ficarão somente com o poder da imagem e da narrativa daquela obra cinematográfica.
A leitura cinematográfica da história é a história retratada por meio das lentes do cinema. Segundo o historiador canadense Robert Rosenstone, autor do livro “A história nos filmes, Os filmes na história”, lançado em 2010 no Brasil:
“O filme histórico tem tanto valor quanto os livros acadêmicos, pois ambos seriam diferentes formas midiáticas de descrever as verdades sobre o passado”.
A sinergia entre a história militar e o cinema produz um aprendizado lúdico e motivacional. Não é de hoje que contribui para o conhecimento daquela disciplina. Tanto para os que já são familiarizados com o tema quanto para aqueles que passaram a se interessar pelo assunto.
Os filmes de guerra, que permanecem exercendo um grande fascínio sobre o público em geral, são caracterizados por uma narrativa atraente, cenas de ação, emoções intensas e uma trilha sonora marcante.
Há 50 anos, o famoso diretor de cinema Steven Spielberg adaptou para o cinema o livro de suspense Tubarão, de Peter Benchley. O filme retratava a história de um tubarão-branco assassino que aterrorizava a cidade de Amity Island, na Costa Leste, dos Estados Unidos da América (EUA).
Quem assistiu ao famoso clássico, Tubarão de 1975, dirigido por Steven Spielberg, vai lembrar da inesquecível cena onde o personagem Quint (Robert Shaw) cita o incidente e faz um monólogo dramático da sua fictícia experiência vivida no cruzador Indianapolis.
Durante cerca de quatro minutos, ele relata para o policial Martin Brody (Roy Scheider) e para o especialista em tubarões Matt Hooper (Richard Dreyfuss) a inusitada situação ocorrida com o navio.
Relato de Quint sobre a tragédia do USS Indianapolis – Tubarão (1975)
“Submarino japonês acertou dois torpedos na lateral dele, chefe. Estávamos voltando da ilha de Tinian para Leyte. Tínhamos acabado de entregar a bomba. A bomba de Hiroshima. Mil e cem homens entraram na água. O navio afundou em 12 minutos.
Eu só vi o primeiro tubarão após meia hora. Tigre. 13 pés. Sabe como sabe disso na água, chefe? Você pode dizer olhando da dorsal para a cauda.
O que não sabíamos era que nossa missão era tão secreta que nenhum sinal de socorro havia sido enviado. Logo na primeira luz, chefe, os tubarões chegaram, então nós formamos pequenos grupos compactos. Às vezes, aquele tubarão olha diretamente para você. Bem nos seus olhos. E a coisa sobre um tubarão é que ele tem olhos sem vida. Olhos pretos. Como os olhos de uma boneca.
Quando ele vem até você, ele nem parece estar vivo… até que ele te morde, e aqueles olhos negros se mexem, ficam brancos e então… Ah, então você ouve aquele terrível grito agudo. O oceano fica vermelho e, apesar de todas as suas batidas e gritos, aqueles tubarões chegam e… eles rasgam você em pedaços. Você sabe, no final daquele primeiro amanhecer, cem homens foram perdidos. Não sei quantos tubarões havia, talvez mil. Eu não sei quantos homens. Eles em média são seis por hora. Quinta-feira de manhã, chefe, encontrei um amigo meu, Herbie Robinson, de Cleveland.
Jogador de baseball. Companheiro de Boson. Achei que ele estava dormindo. Estendi a mão para acordá-lo. Ele subia, descia na água, parecia uma espécie de pião. De cabeça para baixo. Bem, ele foi mordido ao meio-abaixo da cintura. Ao meio-dia do quinto dia, um avião nos avistou, um jovem piloto, muito mais jovem que o Sr. Hooper aqui, de qualquer maneira, ele nos avistou e algumas horas depois um grande hidroavião PBY desceu e começou a nos salvar. Você sabe que foi a hora que eu mais me assustei. Esperando minha vez. Nunca mais vou vestir um colete salva-vidas. Assim, mil e cem homens entraram na água. 316 homens saíram vivos, os tubarões levaram o resto.
“Pelo menos nós entregamos a bomba.”
Em 2016, foi lançado o filme de guerra USS Indianapolis: Homens de Coragem. O longa retrata a história épica, heroica e emocionante do cruzador pesado norte-americano USS Indianapolis (CA 35).
Em 31 de março de 1945, durante a guerra naval no Pacífico, foi atingido por um ataque kamikaze (piloto suicida japonês). Naquela oportunidade, o navio foi avariado e 13 militares morreram. Porém, mesmo assim, conseguiu se deslocar até o estaleiro “Mare Island” na Califórnia para sanar as avarias. Após a conclusão dos reparos, em julho de 1945, foi escolhido para cumprir uma missão secreta.
Transportar uma misteriosa carga com a maior velocidade possível até uma ilha do Pacífico. Os Estados Unidos da América (EUA) queriam agilizar o final da guerra com o emprego da bomba atômica.
Retornando ao filme USS Indianapolis, em 16 de julho de 1945, o navio deixou o porto de São Francisco com destino a base aérea de Tinian (Ilhas Marianas) no Oceano Pacífico. A viagem foi realizada em 10 dias e chegou ao seu destino no dia 26 de julho. O navio transportava uma carga de urânio e partes componentes da bomba atômica, que seria lançada sobre Hiroshima. O navio era comandado por Charles Butler McVay III (interpretado por Nicolas Cage).
Após o cumprimento da missão, o navio tinha deixado as Ilhas Marianas, passado pela base militar de Guam e estava a caminho de Leyte, nas Filipinas. O navio estava escoteiro, não tinha sonar para detectar submarinos e possuía 1197 homens a bordo.
Em 30 de julho, quando estava navegando no período noturno no Mar das Filipinas, foi torpedeado por um submarino japonês (I-58), cujo comandante era o oficial da marinha imperial japonesa Mochitsura Hashimoto. Em 12 minutos, o navio havia afundado.
Consta que o Indianapolis estava navegando sem um navio escolta[1]. Não existem evidências confirmadas de que alguma unidade da Marinha dos EUA ou estação de rádio tenha recebido alguma mensagem de SOS do USS Indianapolis. O navio não estava cumprindo nenhum plano de zigue-zague como medida antissubmarino. A partir daquele instante, o USS Indianapolis teria seu destino revelado. Trinta minutos após o naufrágio, os primeiros tubarões começaram a aparecer. Durante cinco dias os marinheiros indefesos foram atacados por tubarões, morrendo também de hipotermia, fome e desidratação. Quando foram localizados por um avião, somente 317 estavam vivos. 880 haviam morrido no total.
Finalmente, vale mencionar a versão sobre esse marcante fato da história naval, de 1991, realizada para televisão, que foi intitulada “Missão Tubarão: A Saga do Navio Indianapolis”.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS E SITES CONSULTADOS
- ROSENSTONE, Robert A. A história nos filmes: os filmes na história. Tradução de Marcello Lino.São Paulo: Paz e Terra, 2010.
- https://www.youtube.com/watch?v=8KQxh18VztM (Monólogo do Personagem Quint sobre o USS Indianápolis) – Tubarão 1975
- https://www.youtube.com/ The Unfortunate Myths of the USS Indianapolis the Most Horrific Disaster in Naval History
- https://aventurasnahistoria.uol.com.br/noticias/reportagem/historia-tragedia-do-uss-indianapolis-a-mae-natureza-declara-guerra.phtml
- https://portaldeperiodicos.marinha.mil.br/index.php/ighmb/article/view/3425/3320
- CARVALHO, Carlos Roberto. Reparando uma injustiça: a trágica história do capitão do USS Indianapolis.
[1] Navio de guerra que protege alvos de maior valor estratégico, com a capacidade de localizar, atacar e destruir aeronaves, navios de superfície e submarinos inimigos.



