A Quarta Frota e a estrutura militar unificada dos EUA

7

Guilherme Poggio e José da Silva

O ressurgimento da Quarta Frota da Marinha dos EUA (USN), administrativamente funcionando desde o dia 1º de julho de 2008, gerou um verdadeiro alvoroço por toda a América Latina. A reação por parte dos diferentes Estados do continente foi, dominantemente, negativa. Além disso a mídia deu amplo e inflado destaque ao acontecimento, despertando as mais apaixonadas opiniões na população local e nos seus representantes políticos.

Mas poucos realmente pararam para refletir e perguntar: o que é a Quarta Frota? Como ela está organizada e por que ela foi criada? No Brasil, diversos segmentos da mídia, para não dizer a quase totalidade dela, apontam as grandes descobertas brasileiras de petróleo localizadas em alto-mar, na camada denominada “pré-sal”, como a principal razão para a recriação da Quarta Frota. Outro motivo seria a Venezuela, comandada por Hugo Chaves, e sua influência anti-americana no continente.

No entanto, para entendermos a criação da Quarta Frota e o que ela realmente significa é necessário conhecer tanto a estrutura das Forças Armadas dos EUA como a organização da Marinha daquele país.
Não é algo trivial, nem de fácil assimilação. Mas a ausência de compreensão destes itens acarretará em uma análise superficial e equivocada, originando comentários apaixonados e carregados de conteúdo político-partidário.

Poder Marítimo e Política Externa

A assimilação da importância do poder marítimo na condução da política externa dos EUA ocorreu ainda no século XIX, tendo como base os estudos do almirante Alfred T. Mahan. Dentre os seus trabalhos, o mais significativo deles foi “A influência do Poder Marítimo ao longo da História 1660-1783”, publicado em 1890.

Mahan influenciou toda uma geração de militares e políticos nos EUA e no mundo. Através dos seus trabalhos, a USN cresceu em número e em poder bélico. Suas idéias foram especialmente receptivas durante a administração do presidente Theodore Roosevelt (1901-1909). Foi durante a sua administração que a “Grande Frota Branca” foi organizada e despachada para realizar uma volta ao mundo, demonstrando que os EUA possuíam uma marinha de “águas azuis” (ver imagem ao lado). Desde então, a existência de um Poder Marítimo forte, expandido extraordinariamente durante a II Guerra Mundial, tem sido um dos pilares da política externa dos EUA.

O nascimento da “Guerra Fria” na segunda metade da década de 1940 trouxe novos desafios para os EUA e sua influência mundial. O Poder Naval ainda era fundamental, mas não o único instrumento militar de política externa. Poder Aéreo, armas nucleares e foguetes de longo alcance eram exemplos de como a guerra havia mudado em tão pouco tempo. Além disso, a criação da ONU, da OTAN, o plano Marshal, a Doutrina Truman e, por fim, o nascimento de duas superpotências (bi-polarização), mostravam que uma reorganização político-econômico-militar mundial estava em andamento acelerado. Era preciso que as Forças Armadas acompanhassem estas mudanças.

Durante a primeira administração do presidente Herry Truman (1945-1949) foi criada a Lei de Segurança Nacional. Este ato presidencial mudou por completo a organização das Forças Armadas, bem como deu novos rumos à condução da política externa dos EUA. A antiga estrutura, composta pelo Departamento da Guerra e pelo Departamento da Marinha foi completamente dissolvida. Em seu lugar foi criado o “National Military Establishment”, anos depois renomeado para Departamento de Defesa (US DoD). Dentro do DoD foram criados outros três órgãos: o Departamento do Exército, o Departamento da Marinha e o Departamento da Força Aérea, esta última a partir do USAAF (United States Army Air Force)  (ver acima).

A Lei de Segurança Nacional também criou o Conselho de Segurança Nacional (National Security Council – NSC), como forma de centralizar e coordenar as ações de política de segurança nacional e dar rumos à política externa dos EUA, além de criar a CIA – Agência Central de Inteligência
e outros órgãos menores.

Outro aspecto importante da Lei de Segurança Nacional foi a maior e melhor integração entre as Forças Armadas. É sabido que a rivalidade entre as diferentes forças pode influenciar negativamente a ação conjunta delas e colocar em risco os objetivos táticos e estratégicos de uma nação. A experiência da II Guerra Mundial demonstrou isso claramente para os EUA. Assim, a Lei de Segurança Nacional também criou os comandos unificados, melhorando a cooperação entre as diferentes Forças.

Estrutura Militar Unificada

Antes da Lei de Segurança Nacional, a estrutura de comando era direta entre o Presidente e o Departamento da Marinha ou entre o Presidente e o Departamento da Guerra (Exército). Com a reorganização de 1947, os comandantes das Forças ficaram subordinados ao Secretário de Defesa, e este tratava diretamente com o Presidente ou com o Conselho de Segurança Nacional.

Paralelamente à existência das Forças e suas respectivas estruturas administrativas, foi criada uma estrutura de comando operacional segmentada em “comandos unificados” e subordinada também ao DoD.

Os Comandos Unificados de Combate (Unified Combatant Command – UCC) são organizações militares constituídas por integrantes de mais de uma das Forças Armadas dos EUA. Cada UCC é comandado por um oficial general de quatro estrelas (almirante-de-esquadra, general-de-exército ou tenente-brigadeiro) conhecido como “Combatant Commander” (CCDR ou, informalmente, COCOM) ou “Commander-in-Chief” (CINC). Este último termo deixou de ser utilizado mais recentemente e agora só se aplica ao presidente.

Os UCC, embora mantenham o conceito original intacto, recebem contínua revisão do Departamento de Defesa conforme os interesses globais dos EUA. A última das grandes revisões foi feita em 1986, com a implementação da Lei Goldwater-Nichols (como ficou conhecida a reestruturação militar dos
EUA).

Os CCDR passaram a ter maior autonomia, ficando diretamente subordinados ao Secretário de Defesa. Por outro lado, os comandantes das respectivas forças perderam o comando operacional, assumindo um papel meramente administrativo.

A atribuição dos comandantes das Forças desde então pôde ser sintetizada em três palavras: organizar, treinar e equipar.
Assim, a partir daquela data, os recursos humanos e materiais puderam ser empregados conforme as necessidades estabelecidas por cada um dos CCDR, nas suas respectivas UCC.

A cadeia de comando atual é a seguinte (ver Figura 2): O presidente, no papel de comandante-em-chefe, está no topo da hierarquia. Abaixo dele está o Secretário de Defesa e, em seguida os respectivos CCDR. O Chefe do Estado-Maior das Forças Armadas (CJCS) não exerce comando diretamente sobre os UCC, embora possa opinar e aconselhar tanto os comandantes dos UCC como o Secretário de Defesa e o Presidente.

O secretário da Marinha e o Comandante da Marinha também não exercem comando sobre as forças navais alocadas para os diferentes UCC, mas são responsáveis pela organização e pelo treinamento das tripulações e dos navios que serão enviados ao teatro de operações. O mesmo vale para os Comandantes da Força Aérea e do Exército.

Atualmente existem dez Comandos Unificados que, por sua vez, são agrupados em dois conjuntos distintos. O primeiro grupo compõe-se de Comandos Unificados funcionais sem relação geográfica. De forma bastante sucinta, os quatro Comandos Unificados funcionais são:

No outro grupo figuram os Comandos Unificados com atuação geográfica específica. Os Comandos Unificados regionais são seis e, juntos, cobrem a totalidade da superfície do globo. Isto significa dizer que dependendo do espaço geográfico (ver Figura 3), os EUA já possuem uma estrutura montada para atuar em tempo de paz (exercícios conjuntos, ações humanitárias e de apoio a desastres naturais) ou conduzir um conflito assimétrico de caráter regional (como exemplo as Guerras no Iraque e no Afeganistão).

Os UCC com atuações regionais são:

Divisão do mundo segundo os Comandos Unificados (UCC) dos EUA. O mapa acima já incorpora o USAFRICOM, operacional desde setembro de 2008.

Para exemplificar rapidamente a importância do CCDR dentro da atual estrutura militar dos EUA, basta dizer que durante a Guerra do Golfo em 1991, o comandante da USCENTCOM era o general Norman Schwarzkopf. Coube a ele conduzir todas as forças dos EUA durante aquele conflito. Atualmente este cargo é ocupado pelo General David Petraeus, responsável pela condução dos conflitos no Iraque e no Afeganistão.

Estrutura da USN

As forças navais dos Estados Unidos, assim como em qualquer outro país de médio e grande porte, possuem uma organização peculiar e totalmente voltada para o seu fim. Mas devido às suas dimensões, sua organização compreende uma estrutura ampla, complexa e diversificada, que não encontra paralelo nem mesmo entre as demais Forças Armadas dos EUA. Traduzindo em números, a força possui perto de meio milhão de homens (incluindo reservistas), 280 navios de combate (além de centenas de unidades de apoio e pesquisa) e mais de 3700 aeronaves (dados de 2008).

Administrativamente, a Marinha dos Estados Unidos (United States Navy – USN) está subordinada ao Departamento da Marinha (Department of Navy – DoN). O DoN, por sua vez, é administrado por um civil que recebe a designação de Secretário da Marinha. Abaixo dele está o Comandante de Marinha (Chief of Naval Operations – CNO), cargo exercido por um almirante-de-esquadra (quatro estrelas) indicado pelo presidente e aprovado pelo Senado Federal.

Também abaixo do Secretário da Marinha está o Comandante dos Fuzileiros Navais (USMC), uma Força completamente independente da USN e com estrutura própria. A descrição detalhada desta Força está fora dos objetivos deste texto e não será abordada.

A primeira grande subdivisão dentro da estrutura da USN separa as Forças Operacionais das Instituições de Apoio (ver Figura 4). O número de Instituições de Apoio é grande e cobre segmentos dedicados à administração do pessoal (NPC), saúde (BUMED), logística e reparos (NAVSEA e NAVAIR), suprimentos (NAVSUP), inteligência (ONI), treinamento e ensino (USNA e NSWAC) e outros.

Nas Forças Operacionais é que estão realmente os meios operativos e as instalações que dão suporte oas meios. Atualmente as Forças Operacionais são formadas por nove “componentes” (ver Figura 4), sendo que dois deles (USPACFLT e USFLTFORCOM) agregam praticamente todos os meios da USN.

Tanto o USPACFLT como o USFLTFORCOM possuem unidades administrativas conhecidas como “Comandos”. São eles: Comando da Força de Submarinos, Comando das Forças de Superfície e Comando das Forças Aeronavais. Cada um destes comandos é, por sua vez, subdividido em Grupos compostos por esquadrões. Para efeito de simplificação do texto, estas unidades não serão abordadas.

Outros dois componentes das Forças Operacionais possuem caráter geográfico e representam o elemento naval nas respectivas UCC. Estes encontram-se baseados fora do território norte-americano. O NAVEUR, baseado em Gaeta (Itália), é o braço administrativo da USN na Europa (USEUCOM) e possui estreito relacionamento com as forças da OTAN. Em Manama (Barein), localiza-se a sede do NAVCENT, importante componente da USN nas ações no Iraque e no Afeganistão.

Por último, existem outros cinco componentes com distintas atribuições. São eles: Military Sealift Command (MSC – controla os navios de apoio logístico e transporte em geral), United States Navy Reserve (USNR – uma das sete organizações militares da reserva dos EUA), Naval Special Warefare Command (NAVSOC – reúne as Forças Especiais da USN), Operation Test & Evaluation Force (OPTEVFOR – responsável pelos testes e avaliações nos mais variados equipamentos antes que os mesmos entrem no serviço ativo) e o Nava Network Warfare Command (NETWARCOM – coordena e presta apoio na área de tecnologia de informação).

As Frotas dos EUA

O substantivo “frota” pode ser entendido como esquadra ou armada. No passado as frotas dos EUA eram dignas deste nome, possuindo navios específicos. Hoje em dia, a palavra “frota” (fleet) para a USN possui caráter meramente administrativo.

A origem dos dois principais componentes das Forças Operacionais citados anteriormente (USPACFLT e USFLTFORCOM) está vinculada à extinta divisão da USN em Frota do Pacífico e Frota do Atlântico. Esta estrutura, criada durante a administração Roosevelt para substituir os esquadrões navais, foi reorganizada antes dos EUA entrarem na II Guerra Mundial. Durante o curso do conflito, as duas frotas foram subdivididas em unidades chamadas “numbered fleets” que, literalmente, pode ser traduzido como “frotas numeradas”. A idéia das “frotas numeradas” surgiu com o almirante Ernest King em 1943 como base para a formação de Forças-Tarefas e para atuação em regiões geográficas específicas. Ao final daquele conflito existiam as seguintes frotas numeradas.

  • Terceira frota (Pacífico Oriental)
  • Quarta frota (Atlântico Sul)
  • Quinta frota (Pacífico)
  • Sétima frota (Pacífico Ocidental, Oceano Índico e Golfo Pérsico)
  • Oitava frota (Noroeste da África e Mar Mediterrâneo)
  • Décima frota (unidade especial de coordenação de ações anti-submarinas)
  • Décima segunda frota (Europa)

O termo “frotas numeradas” sobreviveu até os dias atuais. Porém, é importante salientar que, após todas as mudanças na estrutura militar dos EUA, as mesmas não estão vinculadas operacionalmente à USN e não realizam ações militares independentemente. Atualmente elas apenas representam um componente organizacional das UCC cuja missão principal é manter e treinar as unidades operativas para que estas sejam empregadas pelos CCDR quando assim necessitarem. Atualmente existem seis delas.

  • Segunda Frota
  • Terceira Frota
  • Quarta Frota
  • Quinta Frota
  • Sexta Frota
  • Sétima Frota

Como cada uma das frotas acima está vinculada, operacionalmente, a uma determinada UCC, e estas por sua vez cobrem todo o planeta, qualquer componente operativo (seja ele naval ou aéreo, mas pertencente à USN) em trânsito é automaticamente incorporado à Frota responsável por aquela área geográfica.

Figura 5 – Área de jurisdição de cada uma das “frotas numeradas”. Comparar com o mapa anterior e observar a ausência de uma “frota numerada” para a África.

Na porção oriental dos EUA, ou seja, no lado do Atlântico, a Segunda Frota, baseada em Norfolk (Virgínia), está subordinada ao USFLTFORCOM. Sua área de jurisdição até pouco tempo atrás englobava todo o Oceano Atlântico, incluindo a parte ocidental da Europa e da África, Caribe, América do Sul e Central em ambas as costas. Além de ser uma área geograficamente extensa, a Segunda Frota também cooperava com as atribuições da UCC USJFCOM e dava suporte às ações da OTAN. Com diversos compromissos em vários continentes, parte das atribuições da Segunda Frota foram repassadas para a Quarta Frota, que assumiu toda a área geográfica do Caribe, América do Sul e Central.

Na costa oeste dos EUA, baseada em San Diego (Califórnia), está a Terceira Frota. Sua área de operação abrange todo o Oceano Pacífico Oriental, com exceção da costa próxima à América Latina.

Na região compreendida pelo Pacífico Ocidental e pelo Oceano Índico atua a Sétima Frota, baseada em Yokosuka (Japão). Tanto a Terceira como a Sétima Frota estão subordinadas ao USPACFLT.

A USN ainda possui outras duas frotas numeradas baseadas fora do território dos EUA. Na Europa, a Sexta Frota (Gaeta, Itália) atua associada à NAVEUR e no Oriente Médio a Quinta Frota (Manana, Barein) atua em conjunto com a NAVCENT.

Portanto, se uma determinada Força-Tarefa deixa a costa Leste dos EUA em direção ao Golfo Pérsico, ela será incorporada à Segunda Frota inicialmente. Assim que se aproximar da Europa, passará para a fazer parte da Sexta Frota e, após cruzar o Canal de Suez, será incorporada à Quinta Frota.

Relação entre a USN e os UCC

Como pode ser visto acima, as “frotas numeradas” não estão operacionalmente subordinadas à USN, mas sim aos Comandos Unificados regionais. A USN se faz presente em cada UCC através de uma Força Operacional e de uma “frota numerada”. A primeira comanda as forças navais e interage com as nações presentes na respectiva UCC. As “frotas numeradas” exercem o controle operacional dos meios operativos designados para elas.

Portanto, para o USEUCOM existe o COMUSNAVEUR e a Sexta Frota, para a USCENTCOM existe o COMUSNAVCENT e a Quinta Frota e assim por diante (ver Figura 6). No entanto a relação não é totalmente linear. Dependendo da complexidade geopolítica da área, a Força Operacional e a “frota numerada” podem ter comandos separados (no caso da Europa) ou conjuntos (no caso do USCENTCOM). Frisa-se mais uma vez que nenhum dos Comandos Unificados possui meios operativos permanentes, mas quando em trânsito permanecem sob o comando do respectivo UCC.

Figura 6 – Organograma simplificado mostrando a estrutura administrativa e operacional. Os UCC são comandados por oficiais-generais de quatro estrelas de qualquer uma das Forças. Clique na figura para ampliá-la.

A USAFRICOM, recentemente criada a partir do desmembramento da USEUCOM, ainda não tem uma Força Operacional nem uma “frota numerada” específica e continua dependente do apoio vindo das forças norte-americanas na Europa.

No organograma acima (Figura 6), pode-se observar que a Quarta Frota é a única das “frotas numeradas” que não é subordinada a um Vice-Almirante, mas sim a um Contra-Almirante o que, em tese, reflete uma importância menor.

Relação entre USSOUTHCOM / USNAVSO / Quarta Frota

O USSOUTHCOM, conforme visto acima, é uma das Forças Operacionais de caráter geográfico cuja área de atuação envolve toda a América do Sul, Central e Caribe. Sua origem está vinculada aos interesses dos EUA sobre o Canal do Panamá ao longo das primeiras décadas do século XX.

Quando a Lei de Segurança Nacional foi aprovada em 1947, um dos Comandos Unificados criados foi o “Caribean Command”. Embora tivesse recebido este nome, na verdade sua área de atuação estendia-se para toda a América do Sul e Central. Em 1963 este UCC foi oficialmente redesignado United States Southern Command (USSOUTHCOM), nome que permanece até os dias de hoje.

O USSOUTHCOM está atualmente estabelecido na cidade de Miami (Flórida). Seus objetivos são bastante claros: “Conduzir operações militares e promover estabilidade regional para atingir os objetivos estratégicos dos EUA”. O foco atual está orientado para as seguintes áreas: combate ao tráfico de drogas; ações humanitárias (incluindo auxílio em caso de desastres naturais); cooperação regional e condução de exercícios militares com Forças Armadas de países amigos.

O “braço marítimo” do USSOUTHCOM, ou seja, a Força Operacional da USN neste UCC, é o USNAVSO (United States Naval Southern Command). A USNAVSO está ligada historicamente à formação da South Atlantic Patrol Force (SOLANT), extinta logo após o término da II Guerra Mundial.

Em junho de 1958 a SOLANT foi restabelecida com o propósito de estreitar os laços entre a USN e as marinhas das nações amigas no continente latino-americano. É desta época a origem dos exercícios anuais denominados UNITAS. Em dezembro de 1999, a SOLANT deu origem ao USNAVSO, que também absorveu o Western Hemisphere Group (WESTHEMGRU). Quatro anos depois, o comando administrativo da USNAVSO foi transferido da Estação Naval de Roosevelt Roads (Puerto Rico) para a Estação Naval de Mayport (Flórida), onde permanece até os dias atuais.

Quando o comando da USNAVSO foi transmitido do Contra-Almirante James W. Stevenson Jr. para o Contra-Almirante Joseph Kernan em 1º de julho de 2008, Kernan também assumiu a Quarta Frota, oficialmente restabelecida naquele dia.

A USNAVSO/Quarta Frota não são as únicas unidades baseadas em Mayport. Aliás, a região de Jacksonville abriga a terceira maior concentração de unidades militares dos EUA, perdendo apenas para a região de Norfolk e San Diego.

A NS Mayport é uma instalação de grandes proporções, que reúne mais de cinqüenta diferentes organizações da USN, incluindo três esquadrões de contratorpedeiros (DESRON 14, DESRON 24 e DESRON 40) totalizando 22 navios e seis esquadrões de helicópteros anti-submarino. (Na foto acima aparece a Estação Naval de Mayport, foz do Rio Saint John, ainda com o NAe USS John F. Kennedy atracado).

Não há relação direta entre estas unidades operativas baseadas em Mayport e o USNAVSO/Quarta Frota. Elas simplesmente utilizam a mesma estação naval e, eventualmente, os navios ali baseados podem integrar uma Força-Tarefa a serviço do USSOUTHCOM. Somente para ilustrar o caso, entre 2005 e 2008 cerca de 80% dos navios baseados em Mayport serviram ao USSOUTHCOM em algum momento.

A Quarta Frota e o Brasil

Antes do Brasil e dos EUA entrarem na II Guerra Mundial, já existia uma tênue cooperação militar entre ambos. Por volta de junho de 1941 chegou ao país a Força-Tarefa 3 da USN, comandada pelo Contra-Almirante Jonas Ingram. O Brasil colocou os portos de Recife e Salvador à disposição dos navios norte-americanos.

Logo após o rompimento das relações diplomáticas do Brasil com os três países do Eixo (Alemanha, Itália e Japão), ocorrido em 28 de janeiro de 1942, a cooperação militar entre os dois países aumentou. Em setembro de 1942, Ingram, então no posto de Vice-Almirante, assumiu o comando da SOLANT. Por decisão da Comissão Mista de Defesa Brasil-EUA a SOLANT criou um comando único para coordenar as Forças Armadas dos dois países nas ações aeronavais.

Com a criação da Quarta Frota pelo almirante Ernest King em 1943, o almirante Ingram acabou acumulando as duas funções. A partir de um edifício no centro da cidade do Recife, Ingram administrava e coordenava as ações militares conjuntas.

A Quarta Frota era basicamente constituída por cruzadores e contratorpedeiros, auxiliados por algumas unidades menores e navios de apoio. Ao todo eram seis cruzadores leves, sendo cinco da velha classe Omaha (entraram em atividade na década de 1920), e somente um da classe Brooklyn (o USS Savannah). No entanto, isso não impediu que outras unidades navais da USN auxiliassem e cooperassem com a Quarta Frota em muitas oportunidades.

Presidente Getúlio Vargas conversa com o almirante Ingram, comandante da Quarta Frota durante a II Guerra Mundial. Ao lado, o USS Milwaukee na sua configuração final. Observar a bandeira soviética na popa. Esta foto foi tirada quando o mesmo já estava arrendado para a URSS (entre 1944 e 1949).

A força naval de Ingran, que mais tarde se chamaria Quarta Frota, realizou diversas ações digas de nota para a defesa do Brasil e dos brasileiros. Um deles ocorreu em 19 de maio de 1942, quando o cruzador USS Milwaukee, em companhia do contratorpedeiro USS Moffet, recebeu um sinal de SOS proveniente do mercante de bandeira brasileira Comandante Lyra. O navio brasileiro havia sido atacado por um submarino e estava em chamas. Os náufragos foram recolhidos pelos navios norte-americanos e o incêndio foi controlado. O Comandante Lyra pôde então ser rebocado de volta ao porto.

Não há como negar. As ações da Quarta Frota foram essenciais para o esforço de guerra dos Aliados e para a defesa do Brasil, dos seus cidadãos e dos seus interesses. Mas é importante observar que a ajuda externa só foi necessária porque a Marinha do Brasil, e as suas Forças Armadas como um todo, não estavam a altura da missão e do inimigo.

Devemos nos preocupar com a Quarta Frota?

A condução da política externa dos EUA nos últimos cem anos esteve vinculada ao emprego das Forças Armadas em caráter global. Para melhor conduzir esta política, os norte-americanos dividiram o mundo em regiões estratégicas. O USSOUTHCOM, que engloba o Brasil, é somente mais uma destas regiões e está longe de ser a que merece maior atenção atualmente.

A questão sobre o ressurgimento da Quarta Frota anda bastante inflada na mídia e no meio político. Muitos não sabem o real significado dela e poucas vozes levantaram-se para realmente colocar uma “luz” sobre este assunto como o Almirante-de-esquadra (reformado) Mario Cesar Flores. Outros utilizam a questão de forma deturpada para defender seus interesses político-partidários.

É importante frisar que para atingir seus objetivos estratégicos, os EUA independem da existência da Quarta Frota. Os EUA sempre tiveram alguma organização naval voltada para a América Latina, mesmo durante o hiato da Quarta Frota entre 1950 e 2008. Porém, na visão deles, estes objetivos seriam melhor alcançados com uma reorganização uma administrativa, reduzindo as atribuições geográficas da Segunda Frota e repassando-a, em parte, para a Quarta Frota. O Comandante da Marinha já havia sinalizado nesta direção durante uma entrevista para um jornal de São Paulo em junho de 2008.

A direta associação da formação da Quarta Frota com as recentes descobertas de hidrocarbonetos nas camadas “pré-sal” na Zona Econômica Exclusiva são, para desagrado de muitos, uma mera coincidência. Mesmo porque a viabilidade da exploração desses recursos naturais depende ainda de vários fatores, incluindo as variações de demanda no mercado mundial (qualquer queda brusca do valor do barril de petróleo no mercado mundial inviabilizará economicamente o projeto de desenvolvimento dos campos “pré-sal”).

Porém, deve-se atentar para o seguinte dado relacionado ao comércio exterior dos EUA. Aproximadamente 50% do petróleo importado é proveniente da América Latina (México incluído). Estes números são bastante expressivos especialmente quando comparados aos 22% provenientes do Oriente Médio m (dados de 2008). Não é necessário dizer que a questão da viabilidade do “óleo pré-sal” será acompanhada pelo USSOUTHCOM com bastante atenção.

É preciso deixar bem claro que, com ou sem Quarta Frota, o poder militar dos EUA vai aonde os seus interesses assim exigirem. A recriação da Quarta Frota não é nada mais que um passo administrativo para melhor organizar o USSOUTHCOM. Se uma intervenção for necessária em um determinado ponto da América Latina, ela será feita com os meios que estiverem disponíveis.

Analisando friamente o ressurgimento da Quarta Frota e o que ela representa para a região, chega-se à conclusão de que pouco ou nada mudará para o Brasil e demais países vizinhos. No entanto, se o Brasil não se preocupar com a sua Marinha, teremos que pedir o auxílio da Quarta Frota mais uma vez, assim como ocorreu na II Guerra Mundial.

Subscribe
Notify of
guest

7 Comentários
oldest
newest most voted
Inline Feedbacks
View all comments
Gustavo P

Existe alguma informaçao quanto ao posicionamento atual das frotas americanas?

Felipe

Se eu entendi bem, as forças armadas do EUA responde a uma tática que faz com que os países que não tenham uma “auto suficiência” no poder naval, se coloque de joelhas as frotas navais americanas quando assim necessitar, para justamente criar uma relação de dependência, no qual o Brasil perde o poder de barganha, por ter obtido ajuda, rapidamente quando necessitava. O que faz com que os interesses dos EUA possam se concretizar.

Luiz Carlos Carvalho Roth

Parabenizo os autores pelo artigo. Entretanto, gostaria de contribuir para o aperfeiçoamento de seus futuros textos. Em que pese alguns países como os anglo-saxônicos (fleet), hispânicos (flota) e francófonos (flotte) designarem suas esquadras com palavras que se assemelham em português a expressão FROTA, esta é o designativo genérico de um conjunto de navios, sejam eles de guerra ou mercantes, sejam de petroleiros ou de graneleiros. Já a expressão ESQUADRA se refere especificamente ao conjunto de navios de guerra. Assim é que em nossos documentos oficiais, como a Estratégia Nacional de Defesa, nos referimos a criação de uma Segunda Esquadra, e… Read more »

José Miguel de Souza

Os EUA viram que chineses e russos estavam se expandido às claras na América Latina. A china, aliás, ainda que na surdina, comprando vastas extensões de terra no Brasil central. Russos em vias de construir base militar na Venezuela. Então não se fizeram de rogados: trataram de reativar a Quarta Frota da Marinha dos EUA e a mandaram para o Atlântico Sul. Se não o fizessem teriam, nesta parte de baixo do Equador, vizinhos comunistas.

J . Mafra

Nunca confiem nos estadunidenses!
O texto é esclarecedor, mas o autor transparece indiferença quanto a ameaça que o Brasil sofre com esta “armada”. Os EUA ameaçam a soberania do Brasil há muito tempo e nosso povo precisa acordar para isso. Espera-Se que não seja tarde !

Roberto Dias Alvares

No cenário atual, vejo o Brasil tomando o caminho certo, fortalecendo suas forças submarinas para melhor proteger nossas águas marítimas em detrimento da necessidade de porta-aviões, mais necessários quando da necessidade de um país intervir em regiões longe de suas fronteiras. O Prosub vai dar ao Brasil, condições de defender suas 200 milhas marítimas utilizando a arma de dissuasão perfeita que é o submarino e mais especificamente o submarino nuclear.

Carlos assis

Contudo o Brasil precisa da dissuasão atômica. Seria o fim das ameaças a nossa soberania.