O Programa Nuclear Brasileiro, o navio ‘Otto Hahn’ e o submarino nuclear

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vinheta-destaqueDurante os anos que permearam as relações político-nucleares entre Brasil e EUA, no período que se estende da década 40 até a década de 60, o Governo brasileiro pouco pôde atuar no campo da energia nuclear. Já no final da década de 60, o Presidente da República Costa e Silva apoiou e incentivou a idéia da capacitação tecnológica do Brasil por meio da energia nuclear, tendo continuação no Governo Médici e a concretização no Governo Geisel com o Acordo Nuclear Brasil – Alemanha, em 1975.

O que torna ano de 1975 tão especial para a política nuclear brasileira é que foi a primeira vez que o Brasil conseguiu dar seqüência a um ambicioso projeto de Estado rumo a capacitação tecnológica no campo da atividade nuclear, sem a intervenção norte-americana.

“Senso de responsabilidade como grande Nação adulta cuja voz já se faz ouvir, espírito de sadia colaboração, abertos aos problemas ecumênicos da paz e do progresso, convicção do dever de participar também da ajuda mútua entre os povos, crença na solidariedade continental que se alicerça no imperativo geográfico e na história de vários séculos – devem inspirar-lhe o roteiro a seguir, neste mundo intranqüilo e perplexo de nossos dias. Mundo em rearticulação crítica para novo sistema multipolar de equilíbrio de forças, sob a ameaça do terror nuclear ainda bipolarizado, em face do surgimento no cenário dantes restrito aos Estados-nações, de novos protagonistas singulares, as grandes empresas multinacionais – cujo potencial para o bem, ou talvez para o mal, ainda não nos é dado a avaliar”. Geisel

O discurso de Geisel, enquanto candidato a presidência da República e a sua aprovação no Congresso Nacional como Presidente da República no ano de 1974, demonstra que o Governo brasileiro já estava, na década de 70, pronto a promover a capacitação tecnológica para o Estado brasileiro. Geisel deu início a sua plataforma presidencial sob o lema Desenvolvimento e Segurança e a sua estratégia se fundamentava no caráter do desenvolvimento social, criando condições para a ação e a concretização da política anterior, caracterizada pela racionalidade. Embora o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) tenha sido criado pelo Governo Vargas, é somente com Geisel que o Governo brasileiro consegue pôr em prática sua estratégia de capacitar o Brasil por meio da atividade nuclear.

A idéia inicial do Governo na propulsão nuclear era analisar experimentalmente o funcionamento do reator nuclear do navio alemão Otto Hann (na foto, em visita ao Rio de Janeiro) com a participação de brasileiros como expectadores do processo.

Em nenhum momento o Governo brasileiro levantou a hipótese de obter a propulsão nuclear para fins bélicos e havia a constante preocupação das autoridades brasileiras em esclarecer aos órgãos internacionais e os EUA as finalidades científicas e tecnológicas de suas negociações com a República Federal da Alemanha.

O objetivo, segundo o Subchefe do Gabinete do Ministro da Marinha, Comandante Armando Amorim Ferreira Vidigal, era iniciar com medidas objetivas, porém cautelosas, a participação brasileira nas atividades da propulsão marítima nuclear objetivando uma gradativa e constante absorção de tecnologia.

O presidente Geisel entrevistou autoridades estatais para verificar as possibilidades de o Governo brasileiro pôr em prática sua estratégia, comunicando-se com a Superintendência da Marinha Mercante (Sunamam), as Empresas Nucleares Brasileiras (Nuclebrás), e a Marinha de Guerra. Ambas se apresentaram muito solícitas em trabalhar em conjunto com o Governo para legitimar as ações do Estado, ou seja, sua grande estratégia.

Até, então, a opinião pública acreditava que o Governo havia se interessado pela energia nuclear em função da crise do petróleo de 1973, mas o interesse do Governo brasileiro em entrar na era nuclear no final da década de 60 nasceu da conscientização das autoridades políticas brasileiras em não mais poder contar com a ajuda econômica e os financiamentos norte-americanos. Embora não houvesse uma formalização desta compreensão, o Brasil fortaleceu seu desejo de modernizar-se por meio da era nuclear com contatos com a República Federal da Alemanha (RFA).

Em 9 de junho de 1969, Brasil e RFA assinaram o Acordo de Cooperação em Pesquisa Científica e Desenvolvimento Tecnológico. A cooperação se efetivaria nas áreas da pesquisa atômica, prospecção de urânio, a pesquisa aérea e espacial, a pesquisa oceanográfica, de documentação científica e a constituição de um banco de dados.

“No caso brasileiro poderíamos pensar em um navio auxiliar da Marinha de Guerra, como seria o caso de um navio de pesquisas oceanográficas, como nosso primeiro navio nuclear, a longo prazo.” Dr. Hanschild

A idéia sugerida que se tinha até meados da década de 70 era construir um navio oceanográfico, por meio da observação experimental do navio alemão de propulsão nuclear Otto Hahn. Assim, este navio auxiliaria o Estado a formular a grande estratégia como um instrumento do poder político na absorção de conhecimento e tecnologia nuclear, e satisfaria a necessidade da Marinha de Guerra na defesa marítima e naval, precavendo o Estado de possíveis ameaças como supôs Geisel em seu discurso ao sugerir as grandes multinacionais como ameaças à ordem nacional.

Foram realizadas neste período várias visitas e reuniões entre os governos brasileiro e alemão. Em 24 de setembro de 1976, a bordo do Ns Otto Hann, as autoridades brasileiras se reuniram com as autoridades alemãs a fim de discutir os rumos da propulsão nuclear para o Brasil. A Interatom era a empresa alemã que fabricou o reator nuclear do navio alemão Otto Hann, navio que serviria de palco para a absorção de conhecimento de técnicos e engenheiros brasileiros. Esta empresa seria sócia da Nuclebrás na fábrica de enriquecimento que seria construída no Brasil. Nesta reunião, o Diretor da Interatom suscitou a hipótese de um trabalho conjunto para a produção no Brasil de uma frota de submarinos nucleares.

Em nenhum dos documentos analisados verificou-se a iniciativa dos órgãos estatais brasileiros em conceber e/ou projetar o submarino de propulsão nuclear para o Brasil. Foram os alemães que sugeriram às autoridades brasileiras construir submarinos nucleares que pudessem atender as expectativas dos órgãos envolvidos.

FONTE: Corrêa, Fernanda das Graças – O submarino de propulsão nuclear e a estratégia nacionalE-premissas, revista de estudos estratégicos, Nº 03 – Janeiro/junho – 2008, UNICAMP

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Hornet

Como estou sem sono, e só pra gente entender um pouco melhor essa história envolvendo a Alemanha, reator nuclear e Brasil, nos anos 70 e 80, vou comentar umas coisas que provavelmente ajudem a entender esta história toda, já que este é um assunto que eu conheço um pouco: Durante a década de 70, em meio a Guerra Fria, os EUA impuseram vários limites (com acordos e tratados restritivos), aos países aliados, como a Alemanha Ocidental (mas também ao Japão, e posteriormente a outros países – o Brasil caiu nesta armadilha nos anos 90) para a pesquisa nuclear e para… Read more »

Alexandre Galante

Hornet, a Alemanha nunca quis construir seu submarino nuclear, não por causa da tecnologia, que nunca foi problema para os alemães, afinal já construíram e operaram um navio com propulsão nuclear.

A Alemanha nunca se interessou pelo submarino nuclear porque ele sairia muito caro e não se encaixaria em sua estratégia marítima. O Mar Báltico, por exemplo, é raso e um submarino nuclear seria muito barulhento ali, tornando-se um alvo fácil.

mauro dias

A caso dos jatos chineses , veio depois , creio eu.Na época do acordo Brasil-Alemanha, os americanos, suspenderam todo acordo militar com o Brasil,os FMS’s.
Lembro-me de um caso naquela época, em que um colega , servia na base de fuzileiros em Niterói-RJ, e que todas as folgas foram suspensas e as unidades mandadas para ilhas das regiões e também do norte.Havia uma certa tensão no ar.Ainda lembro

Luís Aurélio

Alexandre Galante
Não há como negar, que o Brasil perdeu uma grande oportunidade, ao não se interessar, em construir um navio de superfície, movido a propulsão nuclear. Hoje poderíamos, ter um reator naval totalmente desenvolvido. Esta história, que o submarino nuclear é muito barulhento, é exagero. No nuclear as duas únicas fontes de ruído, que ele tem a mais que o convencional, são as tubulações de vapor e a turbina de geração elétrica. Mas tanto as tubulações, quanto a turbina de geração elétrica podem ter isolamento acústico.

Hornet

ops! correção: “uso militar da energia elétrica,”

leia-se: uso militar da energia atômica.

Alexandre

Acho que o fato de a Alemanha não ter submarinos nucleares e a França sim é uma questão de política estratégica. A França tinha e ainda tem várias colônias ao redor do mundo ao contrário da Alemanha. É natural que um país que queira manter o seu domínio em diversos cantos do planeta precise de um submarino com autonomia ilimitada no que se refere a propulsão. No caso da Alemanha cujo território é muito pequeno e o submarino é apenas para defesa não cabia um sub nuc. Caso fosse necessário, acredito que estariam muito a frente dos franceses. Mas não… Read more »

Hornet

Já li esse trabalho da Fernanda. Ela traça um histórico bem bacana da trajetória do sub nuc brasileiro e das estratégias de Estado que o envolveram e envolvem. Gostaria de destacar algumas de suas palavras finais, colocadas neste trabalho, e que de certo modo sintetiza o que venho debatendo aqui com os amigos, no que diz respeito ao sub nuc: “O submarino de propulsão nuclear é uma estratégia do poder nacional em função de atender aos interesses do Estado e de todos os integrantes que realmente compõem este Estado, como os meios acadêmicos, científicos, militares, jornalísticos, e em especial, o… Read more »

URUTAU

Senhor Hornet concordo em genero numero e grau com suas explicaçoes elucidações e expectativas muito embora devo salientar que neste contexto naval ou MB ja que nos outros creio eu deva o Brasil assim como aqui procurar as parcerias mais viaveis para a FA e o EB onde a concorrencia com os fraceses é mais acirrada e equilibrada valendo lembrar também que não devemos nos ater a um só parceiro correndo o risco de nos tornarmos futuramente não parceiro mas refem do mesmo portanto no ambito FA e EB creio que devamos diversificar essa parceria logico de maneira consciente e… Read more »

Clésio Luiz

Se eu não me engano foi por causa desse acordo que os EUA embargaram a venda de equipamentos militares para o Brasil, o que culminou com a nossa visita a China para comprar o F-7 chinês, pois os EUA não queriam nos vender nem peças nem caças de reposição.

Flavio

ótimas explanações Hornet, parabéns

Joaca

Os jatos chineses, por pouco, não operamos os J-7 chineses.
at
Joaca

Joaca

O Potengi testou o bichinho, ia ser a versão F-7M, com componentes ocidentais. o problema era a perna mais curta que as do F-5E
at
Joaca

Alexandre

Joaca

Se vc conhece bem a história do Potengi, vc deve lembrar bem que havia muito preconceito do alto comando em relação ao equipamento chinês. Potengi pelo que sei teve vários problemas em fazer o alto comando acitar os pontos fortes da aeronave. Era quase impossível o Brasil adquirir material chinês na década de 70.

alessandro

Tecnologia Nuclear faz mais falta do que se pensa… Argentina supre país de radiofármacos – Valor Econômico – SP Fonte: Valor Econômico – SP Sergio Leo, de Brasília Elza Fiúza/ABr Odair Dias, do CNEN: R$ 30 milhões a R$ 40 milhões para projeto de reator A Argentina tornou-se a principal alternativa para o Brasil enfrentar uma crise de abastecimento que poderá agravar-se no próximo ano: pouco mais de 5 mil pacientes com suspeita – ou em tratamento – de moléstias graves, como câncer ou doenças cardíacas e renais, deixam de receber diagnóstico diariamente, por falta de radiofármacos, elementos químicos radioativos… Read more »

Hornet

Achei um artigo interessante, embora de 2000 (ou seja, muito antes da retomada do PNM da MB, em 2007-08), que traça um histórico da energia nuclear no Brasil, comentanto as questões relativas ao acordo Brasil-Alemanha de 1975.

Se alguém se interessar, aqui está o link:

http://www.periodicos.ufsc.br/index.php/fisica/article/viewFile/6612/6104

o arquivo está em pdf.

abraços a todos

Hornet

Oi Galante, se quis ou não quis, eu não sei dizer. Mas o fato é que seu programa nuclear foi bloqueado pelos EUA. O programa nuclear de um modo geral, não estava me referindo a subs nucleares especificamente. De qualquer modo, a Alemanha (querendo ou não querendo) não construiu nenhum sub nuc até hoje. Ao contrário de países também aliados e na esfera de influência dos EUA, como Inglaterra e França, que de um jeito ou de outro, com mais ou menos independência, construíram os seus. Sem dúvida, o problema da Alemanha não é tecnológico e nem científico. O problema… Read more »

Wolfpack

Muito interessante, mas porque mesmo com o começo do desenvolvimento do primeiro reator nuclear em Iperó/Aramar, a Alemanha não nos ajudou a seguir em frente durante todo este tempo? Não existiu o interesse Brasileiro em receber todo o know how do Otto Hahn, ou como vc mesmo Galante citou dias atrás, o problema está mais em diminuir o tamanho do reator do que colocá-lo em operação. Entendo deste ponto de vista que se desenvolver um reator nuclear e colocá-lo a operar em um navio, sem o compromisso com o tamanho e confinamento é algo muito diferente do que colocá-lo em… Read more »

DjBa

Hornet, Me lembro de ter lido a cerca de uns 15 anos atrás sobre uma matéria da Veja sobre espionagem e sabotagem na aquisiçào de tecnologia de enriquecimento de urânio. Pelo que me lembro da repotagem, o Brasil na década de 50 chegou a comprar centrífugas fabricadas na Euroupa e que foram confiscadas nos portos eureopeus após acordo com o Itamaraty para trazê-las ao país. Não sei se foi nesta resportagem, mas me lembro também de ter lido que os Alemães nos venderam uma tecnologia de enriquecimento (difusão gasosa) de urânio completamente defasada, que nem eles mesmos usavam, e só… Read more »

Hornet

DjBa, pois é, esse é um ponto que precisamos pensar melhor antes de afirmar qualquer coisa. Refiro-me ao ponto de a Alemanha ter tido vontade ou não de ter subs nucleares. Geralmente tais coisas não são divulgadas e nem tem fácil acesso. Mas só pra gente pensar um pouco: EUA e a antiga URSS largaram na frente, neste quesito do uso militar da energia elétrica, e vamos deixá-los de lado. Vamos pensar apenas nos casos europeus. Os programas nucleares da Europa, ao menos os que tiveram voltados para o uso militar (seja com produção de bombas ou construção de subs… Read more »

Nunão

Hornet, só um complemento na sua afirmação de que “os primeiros subs nucleares da França, desenvolvidos autonomamente, datam da década de 70. A classe Rubis, da França, teve o início de seu desenvolvimento em 1974”:

Diferentemente dos EUA e Inglaterra, os franceses desenvolveram primeiro seus submarinos lançadores de mísseis balísticos, para depois desenvolverem os de ataque (classe Rubis). Assim, os primeiros submarinos nucleares franceses são de antes da data que vc colocou.

Saudações!

Dalton

Hornet, apenas complementando o que vc escreveu acima… naquela epoca nao havia muita individualidade dos paises, ou voce pertencia a OTAN ou ao Pacto de Varsovia, portanto a Alemanha ter submarinos nucleares seria uma redundancia, pois em caso de guerra, os alemaes tinham como uma de suas missoes atuar em aguas mais rasas como o mar baltico e para tanto criaram uma certa expertise em submarinos pequenos que mais tarde se tornaram um sucesso de vendas. Com tantas tropas e aeronaves sovieticas instaladas na Alemanha Oriental, os alemaes ocidentais e o restante da Europa nao poderiam igualar-se e assim a… Read more »

Hornet

Nunão, exatamente. Mas subs balísticos estariam fora do alcance da Alemanha de qualquer modo, pelo problema de não poder usar armas nucleares. De qualquer modo, bem lembrado. Dalton, vc também está correto. A Guerra Fria, além de dividir o mundo em “blocos”, criava uma espécie de “divisão de trabalho militar” entre os países membros de cada “bloco”. Exatamente. (Interessante seria pensar o papel atribuído ao Brasil…como sabemos, não passava de um papel secundário, quase terciário…o que explica, em grande parte, a nossa situação militar nessa época, e a decorrencia disso até os dias de hoje. A Guerra Fria é um… Read more »

Hornet

Dalton, só mais um complemento: a Alemanha e o Japão poderiam muito bem, se fosse permitiudo a eles, desenvolver as suas respectivas economias com a tenologia militar, assim como faz os EUA, cuja economia está atrelada em grande parte à industria bélica. Acho que a questão é bem outra mesmo: imposição de guerra. Quem ganhou a guerra impôe limites a quem perdeu, isso é assim mesmo. Perceba que França e Inglaterra, que também estavam arruinadas após a II GG, se reergueram e se tornaram potências econômicas novamente, sem as mesmas imposições feitas a japão e Alemanha. Só que França e… Read more »

Azevedo

Por ser o último post com referência ao Almirante VIDIGAL, comento com a única nota de falecimento, que teria ocorrido em 14DEZ, encontrada na internet por enquanto: “Com profundo pesar, o Laboratório de Estudos do Tempo Presente / UFRJ lamenta o falecimento do Almirante Armando Vidigal, importante intelectual e defensor dos interesses brasileiros na contemporaneidade. Autor de diversos livros (“Guerra no Mar”, Record, 2008; “Amazônia Azul – o mar que nos pertence”, Record, 2006) sobre Defesa e Segurança Nacional, e inspiração para diversas gerações, o legado de Armando Amorim Ferreira Vidigal transcende as barreiras e tapumes do seu ofício e… Read more »