Avengers da MB - 2
Dois Grumman Avenger da MB treinando com as equipes de manobra do NAeL Minas Gerais. Foto: coleção de Francisco Freire

100anosA Marinha nunca se conformou com o fato de ter perdido o direito de operar suas próprias aeronaves. Não era uma questão de orgulho, mas sim de necessidade. A II Guerra Mundial mostrou o quanto a aviação naval, tanto embarcada como de patrulha, era importante e como ela complementava as tarefas da esquadra.

Mas foi exatamente uma outra atividade, comumente realizada durante períodos de paz, que despertou a primeira necessidade de aviação naval no pós-guerra. Terminado o conflito, a Marinha retomou seus trabalhos de cartografia para a confecção de cartas náuticas, muitas delas de origem estrangeira e baseadas em levantamentos antigos. Necessitando de levantamentos aerofotogramétricos e não dispondo de aeronaves, a Diretoria de Hidrografia e Navegação (DHN), Organização Militar da Marinha responsável pelos levantamentos hidrográficos no Brasil, firmou contratos com empresas civis especializadas. No entanto, como os serviços privados não atendiam à contento as necessidades da Marinha, a DHN resolveu adquirir sua própria aeronave em 1946. O avião escolhido foi um Beechcraft Model 18.

A princípio a aquisição ocorreu sem maiores problemas ou impedimentos por parte do Ministério da Aeronáutica. O problema surgiu na hora de registrar a aeronave no Brasil. A mesma não poderia constar no RAB (Registro Aeronáutico Brasileiro), pois não era uma aeronave civil. Por outro lado também não poderia se registrada como aeronave militar, pois não era de propriedade da FAB, única operadora de aviões militares no Brasil naquela época.

Uma solução completamente esdrúxula, porém totalmente conciliadora, foi encontrada entre os dois ministérios. O avião foi entregue ao Ministério da Aeronáutica, onde recebeu designação e matrícula militar típicas da FAB. A operação também ficou a cargo da Força Aérea, embora a aeronave fosse propriedade da Marinha.

A aeronave participou intensamente dos levantamentos aerofotogramétricos da Baía da Guanabara, do litoral fluminense entre Búzios e Cabo Frio, da Enseada de Jacuacanga (Ilha Grande) e do braço norte do Rio Amazonas. No entanto, em uma das viagens de retorno do Amapá para o Rio de Janeiro em novembro de 1952 a aeronave acidentou-se com perda total.

Porém, meses antes deste acidente, o Almirante Guilhobel, então Ministro da Marinha, passou a estudar formas de recriar a aviação naval. Em 4 de agosto de 1952, de comum acordo com o Ministro da Aeronáutica (Nero Moura) e com o presidente Vargas (desta vez eleito democraticamente), a Marinha recriou a Diretoria de Aeronáutica (DAerM), extinta desde 1941.

O DAerM passou então a funcionar de forma provisória no 12º andar de um prédio alugado pela MB na Rua do Acre, região central da cidade do Rio de Janeiro. O prédio, alugado pela Marinha para alojar algumas de duas Organizações Militares (OM), também era conhecido com “palácio das cebolas”, pois naquela época funcionava ali (na rua do Acre) o centro atacadista de gêneros alimentícios. O primeiro passo, foi a criação da especialidade de Observador Naval (OAN) em 3 de dezembro de 1954. A especialidade de OAN tinha como propósito inicial preparar alguns oficiais da Marinha para atuarem nas aeronaves da FAB durante operações conjuntas.

A criação do CIAAN e o primeiro curso de OAN

Em maio de 1955 foi criado o Centro de Instrução e Adestramento Aeronaval (CIAAN), com sede provisória no mesmo prédio da Rua do Acre. O CIAAN passou a trabalhar na criação do curso de OAN. O primeiro curso não regular teve início em março de 1956. Além das aulas teóricas, ministradas nas próprias salas da Diretoria, os alunos participavam de outros cursos fora da Marinha. Sendo assim, os alunos foram enviados primeiramente ao Exército, onde receberam o curso de observador de tiro e posteriormente para a Base Aérea de Cumbica (Guarulhos/SP), onde receberam curso ministrado pela FAB com duração de cinco meses.

A etapa seguinte do curso seria realizada nos EUA. Uma turma de oficiais navais foi selecionada para o “Ground School” em Jacksonville, Flórida. Estava claro que a intenção da Marinha era formar seus próprios Aviadores Navais (AvN), embora o curso continuasse com a denominação OAN. O curso, totalmente voltado para asa rotativa, foi concluído e quando os alunos se preparavam para os estágio seguinte em Pensacola, houve a intervenção da FAB junto ao Governo dos EUA e o mesmo foi suspenso. Começava assim os atritos entre os dois ministérios. Os alunos foram então enviados para Memphis, no Tennessse, para o curso de manutenção de aeronaves.

No início de janeiro de 1957 o CIAAN foi transferido do centro do Rio de Janeiro para o km 11 da Av. Brasil (onde funciona atualmente o Centro Recreativo da Casa do Marinheiro). As instalações eram simples e pequenas, compostas por um hangar, uma torre de controle e um pátio de estacionamento ligado a um heliponto. Neste mesmo ano, a Diretoria estudou a possibilidade de adquirir aeronaves próprias para equipar o recém adquirido NAeL Minas Gerais.

Como a Marinha ainda não dispunha de aeronaves nessa época, buscou-se uma outra alternativa para a realização da parte pratica do curso de OAN. A decisão foi alugar dois aviões de treinamento PT-19 (um deles com a matrícula PT-GBA) do Aeroclube do Brasil que, naquela época, funcionava no lado oposto da Avenida Brasil, em frente ao Instituto Manguinhos. Também era utilizado um Aeronca para viagem de navegação. Para a instrução das aulas práticas foi escolhido o primeiro sargento (FN) Músico Antonio Gomes Maranhão. Após o curso, examinadores do Departamento de Aviação Civil (DAC) da FAB iam até o aeroclube para o exame final.

O pioneirismo e a improvisação também cobraram o seu preço em vidas humanas. Após a aprovação dos testes de voos do comandante Gama Lobo e do tenente Martinho o sargento Maranhão ficou de levar o examinador de volta ao aeroporto de Santos Dumont num Piper PA-20 do aeroclube. Além dele e do examinador foram convidados para o curto voo os dois alunos recém-aprovados. Logo após a decolagem, a aeronave sofreu uma pane e chocou-se com o solo. Todos os quatro ocupantes faleceram.

Adquirindo helicópteros e treinando pilotos

Em dezembro de 1956, alguns dias depois do Governo Brasileiro ter fechado o acordo de compra do HMS Vengeance (posteriormente re NAeL Minas Gerais), a Marinha do Brasil assinou um contrato para a aquisição dos seus primeiros helicópteros. Através da Mesbla, representante no Brasil da fábrica inglesa Westland, a Aviação Naval adquiriu duas aeronaves Westland Widgeon, versão britânica do Sikorsky Dragonfly, muito utilizadas durante o conflito da Coréia. O primeiro foi entregue em dezembro de 1957 e o segundo no início de 1958. Ainda em 1958, foram também recebidos três Bell 47J e dois Kawazaki/Bell 47. Esses últimos vieram para o Brasil a bordo dos recém adquiridos navios hidrográficos Sírius (H-21) e Canopus (H-22).

A formação do pessoal acontecia em paralelo à aquisição de material. Para a Grã Bretanha, foram enviados em 1958 dois oficiais para o curso de piloto de helicóptero. No ano seguinte, a MB selecionou 20 oficiais para o curso de Aviação Naval nos EUA. O grupo foi enviado em 1960. Outros seis ainda iriam para os EUA fazer curso de piloto de helicóptero nas instalações da Bell e na USN.

HU-1inicio
Helicópteros Westland Widgeon e Sikorsky S-55C nas instalações do HU-1 quando ainda operava no km 11 da Av. Brasil.

O primeiro esquadrão

Até 1961, a Aviação Naval não possuía um esquadrão formado, mas sim duas unidades equipadas com aeronaves. A primeira delas era o CIAAN, funcionando então na BAeNSPA e equipado com dois Westland Widgeon e cinco Bell 47. A outra era o Destacamento Aéreo do NAeL Minas Gerais, composto por três Westland Whirlwind. Além desses existiam dois Grumman Avenger em São Pedro da Aldeia, remanescentes de um lote de três, que pouco voavam por falta de peças.

Em fevereiro de 1962, dois Whirlwind sofreram acidentes graves num mesmo dia. O reparo deles era possível mas não poderia ser feito a bordo do Minas. Por outro lado, os dois Widgeon que operavam em São Pedro da Aldeia possuíam problemas de manutenção, que comprometiam o voo (somente um magneto por aeronave funcionava e vários cilindros falhando). Foi decidido então criar um esquadrão que abrigasse todas essas aeronaves, recuperasse o material de voo e prestasse a devida manutenção. Nasceu assim o Primeiro Esquadrão de Helicópteros de Emprego Geral (HU-1), oficialmente criado em 5 de junho de 1961. O HU-1 passou a ocupar as antigas instalações do CIAAN no km 11 da Av. Brasil, que estavam desocupadas depois da transferência do Centro para São Pedro da Aldeia.

NOTA: texto originalmente publicado no site ANB – Aviação Naval Brasileira

BIBLIOGRAFIA

  • INSTITUTO HISTÓRICO-CULTURAL DA AERONÁUTICA. Parte IV – Discordância doutrinária. In: História Geral da Aeronáutica Brasileira. GR3 comunicação & design, Rio de Janeiro: 2005. v. 4, p. 402-403.
  • MARINHA DO BRASIL. Diretoria de Aeronaútica
  • SEBASTIANY, P. T. Aviação Naval – reminiscências (parte 1) Serviço de Relações Públicas da Marinha. Revista Marítima Brasileira. vol. 126 n. 01/03 – jan/mar 2006, p. 145-158.
  • LYNCH, P. O vôo do Falcão Cinza. Ed. Grafitto: Rio de Janeiro, 2003. p. 56.
  • CAMARA JR., A. A. – 1957 – Relatório do Ministério da Marinha relativo ao ano de 1957. Ministério da Marinha. Imprensa do Estado Maior. p. 43-44
  • GAZZOLA, J. Helicopter History Site. Disponível em: .
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