Por Matheus Santiago

Dispositivo de retenção AAG

O pouso de uma aeronave baseada em porta-aviões requer um dispositivo de retenção, que pode ser principalmente dividido em um sistema de retenção hidráulico e um sistema de retenção eletromagnético. O método de retenção principal atual é o sistema hidráulico, e o sistema de retenção hidráulico MK7 é o equipamento padrão atual para porta-aviões americanos. O sistema avançado de retenção AAG aplicado na classe “Ford” da última geração de porta-aviões americanos segue o princípio do sistema de retenção eletromagnético.

O ponto crucial das aeronaves embarcadas dos EUA é o defeito inerente ao projeto do dispositivo de retenção eletromagnética. Na opinião dos americanos, o sistema de parada eletromagnética é muito mais complicado que o da ejeção eletromagnética, cujos problemas foram expostos já nos testes de solo. Por outro lado, a equipe chinesa do enegenheiro Ma Weiming adotou uma abordagem diferente para resolver o problema da parada eletromagnética em um prazo mais curto e com uma maior eficiência.

Não é mistério para ninguém que acompanha o desenvolvimento do porta-aviões USS Gerald Ford dos problemas encontrados no navio, principalmente relacionado ao AAG – Advanced Arresting Gear system (Sistema Avançado de Engrenagem de Retenção). Desde que foi oficialmente entregue à Marinha dos EUA em julho de 2017, embora anos de testes de alta intensidade tenham sido implementados, os dois principais subsistemas envolvidos nas operações de aviação do navio, EMALS (Sistema de Ejeção Eletromagnética) e AAG ( Sistema Avançado de Retenção) ainda não atendem aos critérios de elegibilidade. O problema de confiabilidade dos dois subsistemas avançados do Ford ainda não foi resolvido.

Em suma, esses dois produtos caros são realmente avançados, mas muitos dos avanços foram produzidos nos últimos anos. Embora muitos testes e a escala de testes organizados já seja grande, o equipamento não atingiu as expectativas de design da classe Ford, afetando diretamente o ciclo de geração de eficácia de combate do porta-aviões de última geração.

Sistema AAG (Advanced Arresting System) sendo testado no solo

Quanto ao AAG (Advanced Arresting System), em comparação com o dispositivo de retenção hidráulico MK7 no atual porta-aviões nuclear da classe Nimitz dos EUA, o sistema de controle de comprimento fixo controla a quantidade de óleo hidráulico injetado no dispositivo de armazenamento. Como o princípio básico de que o ar comprimido gera força de amortecimento para parar a aeronave que pousa no porta-aviões, o AAG usa um conjunto de sistema de retenção eletromagnético.

Em comparação com o dispositivo de retenção mecânico hidráulico “pull-to-stop” de aeronaves, o sistema de retenção eletromagnético é melhor adaptado a diferentes tipos de aeronaves, diferentes modelos e diferentes pesos de pouso devido à eletrificação de todo o sistema por um motor turboelétrico. É usado para que a corrente de excitação de frenagem possa ser ajustada para melhor reduzir a carga recebida pela aeronave no pouso e melhorar o desempenho de pouso da aeronave e ampliar a capacidade de carga do piloto.

O avançado sistema de retenção e o sistema de ejeção eletromagnética, são considerados como as duas principais tecnologias centrais do porta-aviões da classe “Ford” dos EUA. Com essas características, um porta-aviões com EMALS necessariamente precisa de um sistema eletromagnético de retenção das aeronaves, os dois sistemas são complementares na forma tanto no uso eficiente da energia do navio quanto operação das aeronaves embarcadas, sejam elas tripuladas ou não.

Nos testes de navegação subsequentes, a confiabilidade do sistema foi ligeiramente melhorada e, finalmente, atingiu o nível atual de 70 retenções por uma falha em comparação com as 48 retenções por uma falha anteriores. A confiabilidade do sistema está longe das expectativas da Marinha dos Estados Unidos e é ainda pior do que a catapulta tradicional C-13 e o sistema de retenção MK-7 que equipa o porta-aviões da classe Nimitz.

Componentes do AAG

Esse sistema avançado de retenção é talvez a maior incógnita do Type 003, não há informações disponíveis na internet sobre o desenvolvimento desse tipo de tecnologia, nem mesmo na China. Vale destacar que as operações de catapulta à vapor e dispositivos hidráulicos de retenção são muito problemáticos operacionalmente, exigem uma alta densidade de trabalho e alto custo operacional, para cada tipo de aeronave recuperada a bordo. O equipamento de parada deve ser reiniciado manualmente para corresponder ao tipo de aeronave e seu peso. Independentemente da velocidade de aproximação ou do peso da aeronave, todas as aeronaves vão enganchar o cabo de retenção e parar no mesmo lugar, se configurado corretamente.

O sistema atual não é capaz de capturar um UAV, pois sua massa é insuficiente para acionar o motor da engrenagem de travamento hidráulico. Diferentemente desse dispositivo hidráulico, o AAG foi projetado para parar todas as aeronaves com a mesma quantidade de desvio, independentemente do peso e da velocidade. O peso da aeronave é definido pelo operador do motor de engrenagem de parada.

O operador da aeronave recebe o peso da aeronave e então configura a válvula de controle constante para a configuração de peso apropriada para aquela aeronave. O ajuste de pressão para o motor de engrenagem de parada permanece a uma pressão constante (em oposição à pressão hidráulica). Por mais que esses sistemas sejam confiáveis e o desenvolvimento esteja maduro, a alta carga operacional dos equipamentos hidráulicos exigem muito das marinhas que operam esse tipo de sistema. Além desse fardo operacional, desperdiçam muita energia, um fardo operacional muito pesado para os chineses no Type 003.

É de se julgar que por esses motivos, podemos esperar que os chineses adotem um sistema semelhante ao dos americanos, mas isso não passa de uma suposição, mas faz sentido quando analisamos as vantagens desse sistema ser adotado.

De acordo com a condição de que o dispositivo de retenção mecânica utilizado na fase atual não possa atender às necessidades de retenção dos futuros tipos de porta-aviões, foi proposta uma espécie de dispositivo de retenção eletromagnético com bloqueio de motor elétrico como componentes de absorção de energia. Foi construído um modelo de dispositivo de parada eletromagnética considerando os efeitos da onda de torção. O algoritmo de controle de malha fechada da engrenagem de parada eletromagnética foi projetado e validado por simulação.

Conforme citação da patente de engrenagem de retenção turboelétrica: “Uma engrenagem de travamento para desacelerar rapidamente um objeto em movimento inclui um eixo alongado que define um eixo de rotação. Um tambor cônico que é enrolado com um cabo que é montado no eixo para rotação em torno do eixo. O tambor e o eixo são girados durante a liberação do cabo do tambor, conforme o objeto em movimento engancha e, em seguida, puxa o cabo. A engrenagem de travamento inclui uma turbina de fluido de dissipação de energia, como um tornador de água (7), que é montada para aplicar um torque no eixo que atua para desacelerar o eixo giratório. Para complementar a turbina de fluido de dissipação de energia, um motor elétrico (4) é acoplado ao eixo para criar um torque de desaceleração no eixo. Um sistema de controle de motor elétrico está configurado para usar feedback de rotação do motor elétrico para distribuir o cabo do tambor a uma tensão substancialmente constante.”

O AAG absorve a energia usando (7) water twister (70%) e (4) motor de indução (30%). A inércia de outros componentes é pequena e pode ser desprezada no cálculo. A porcentagem é a da energia cinética total da aeronave no pouso.

Em uma rede elétrica AC, a energia não pode ser realimentada para a rede elétrica, portanto, não é explorada. O motor de indução, na verdade consome energia elétrica da rede para conter a força de retenção da aeronave no convés. Digamos que o consumo seja X. Este X é aproximadamente menor ou igual a 30% por causa da conservação de energia.

Em uma rede DC, o motor de indução atua como um gerador. Ele converte a energia cinética em eletricidade e alimenta a rede, a energia será então consumida – convertida – por qualquer consumidor, mas principalmente pelos volantes da catapulta eletromagnética. Dependendo de quantos volantes estão emparelhados, os Water Twister podem ser eliminados porque a turbina hidráulica giratória equivale ao volantes giratórios. Isso não só simplifica o dispositivo de retenção, reduzindo o risco de falhas e trabalhos de manutenção, mas também reduz o consumo total de energia elétrica da plataforma.

O amortecedor avançado de choque do cabo de equipamento de retenção (CSA – Advanced Arresting Gear Cable Shock Absorber) absorve a onda de torção inicial de energia criada quando o gancho na cauda da aeronave engata o cabo de retenção no convés de voo do porta-aviões (foto da Marinha dos EUA)
O conjunto de tambor cônico do cabo de retenção
Um motor elétrico do Advanced Arresting Gear é baixado para o poço na base terrestre de testes de pousos com cabos de retenção

Vale destacar que a recuperação de energia não era um requisito para o sistema AAG dos americanos. Se ele está conectado em rede AC ou DC para esse propósito, é irrelevante do ponto de vista americano. A geração de energia do Ford é densa o suficiente para apoiar o sistema AAG e EMALS assim como o restante dos equipamentos à bordo, o problema é que se precisarem disso, não terão como fazê-lo porque a rede integrada não é DC.

Uma possível inovação no AAG na China é que eles poderiam eliminar o Water Twister. De acordo com a citação de um artigo: “No entanto, como o AAG combina motor elétrico (4) e turbina hidráulica (7) como dispositivo de absorção de energia, ele não é considerado flexível o suficiente durante a retenção. Para tanto, propomos uma engrenagem de retenção eletromagnética ilustrada na figura. Seu caráter é usar exclusivamente o motor turboelétrico como o dispositivo de absorção e ajuste de energia, para utilizar plenamente a vantagem da capacidade de controle preciso do motor elétrico, de modo a realizar o ajuste de circuito fechado em tempo real da aeronave no processo de retenção.”

O sistema AAG dos EUA usa a “turbina de fluido”, também conhecida como Water Twister, como o principal dispositivo de absorção de energia. O motor elétrico em tal sistema deve complementar (em um papel coadjuvante) a turbina de fluido. O motor elétrico também faz parte do sistema de controle para fornecer torque variável durante a parada. No AAG usado como referência na China, esse sistema neste artigo remove a “turbina de fluido” usando o motor elétrico como o único dispositivo. É, portanto, uma engrenagem de retenção eletromagnética pura na mesma liga da tecnologia EMALS. O sistema AAG americano para isso usa uma engrenagem de retenção “eletromecânica”. Não é uma engrenagem de retenção eletromagnética real ou pura semelhante à tecnologia EMALS.

Conclusão

Longe de dar conclusões finais sobre o Type 003, o debate sobre os sistemas embarcados ainda se encontra desorientado por razões de influências ideológicas, tornando-se muito difícil acompanhar o ritmo do desenvolvimento naval chinês e as suas aplicações tecnológicas. Essa série de artigos propõe uma base teórica para um debate saudável e sem preconceito sobre o novo porta-aviões CATOBAR chinês.

Estimativas dão conta de que o preço final do Type 003 pode chegar a um pouco mais de ¥50 bilhões – o que representaria cerca de US$7,6 bilhões, essa quantia é a metade do preço de um CVN da classe “Ford”. Se as conclusões estiverem corretas em torno da eficiência total de combate do porta-aviões chinês alcançando uma porcentagem de 80% do mais novo CVN americano, isso pode significar que mesmo as marinhas menores podem ser equipadas com o mesmo tipo de tecnologia das grandes potências navais e terem a mesma eficiência de combate, dentro do limite de seus respectivos orçamentos militares.

O grande diferencial entre o Type 003 e os demais navios é que ele estará sendo integrado por uma rede elétrica MVDC, o que significa que a sua tecnologia está madura o suficiente para realizar uma integração em um navio de porte acima de 80.000 toneladas, alimentado por propulsão convencional. Além disso, o sistema de propulsão elétrica que garante alto rendimento e economiza energia, tem desperdício de energia mínimo ou praticamente nulo, o que garante que a energia não utilizada retorne à rede elétrica do navio, podendo ser usada por outros equipamentos a bordo que demandam energia.

O sistema EMALS dos chineses pode vir a ser semelhante ao do USS Gerald Ford, com armazenamento de energia do volante, mas ainda não está nada garantido. Tecnologias alternativas desenvolvidas já pode ser utilizadas para reservar a energia durante o pico da catapulta, suportando a ejeção das aeronaves. O sistema avançado de retenção, além de economizar energia, também tem a garantia de retorno da energia não utilizada para a rede elétrica do navio, pois a rede integrada elétrica MVDC permite essa retransmissão de energia à bordo. Sendo o segundo maior equipamento que mais utiliza energia, é de se esperar que os chineses utilizem com eficiência a energia gerada.

Dito isso, a verdade é que o Type 003 é um grande navio elétrico totalmente integrado. Ao contrário do USS Gerald Ford e do destróier Type 45, o sistema MVDC não tem as desvantagens da rede MVAC desses navios, isso garante o suporte necessário aos equipamentos de alta energia, se tornando um sistema muito mais denso em potência e acumulação de energia.

À medida que a construção do porta-aviões Type 003 avança e seu lançamento ao mar fica mais próximo, novas informações podem surgir sobre o tema.

Comparação entre o convés de voo do Ford e do Type 003
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Filipe

O type 003 é inferior ao Ford

Gelson

Boa tarde!
Parabéns ao autor, ou autores dessa série de reportagens muito instrutivas e excepcionalmente pertinentes num assunto de grande interesse. Muito bom!

Carlos santo

Acho fantástica essa evolução chinesa, a estratégia de montar uma marinha de águas azuis. Mas uma coisa me deixou em dúvida, em combate, toda essa inovação tecnológica chinesa, caso o navio seja atingido, como que é o controle de danos dos chineses? Nesse aspecto eles podem ter avançado, mas neste quesito, os americanos são mestres.

Carlos santo

Esse porta aviões, caso seja atingido por mk 48, todos os sistemas continuariam operacionais?

Alex Barreto Cypriano

Recuperar a energia do pouso, se possível, é notável. Mas como é o sistema de recuperação/conversão? Funciona ao revés do EMALS, ou seja, transformará energia cinética em elétrica pra distribuir – mas como? Se a eletricidade, entenda-se a manutenção de uma tensao capaz de impulsionar ampères pra serem consumidos na potência dos sistemas, motores e utilidades, se a eletricidade, eu dizia, não for necessária, ela nao se conserva pra uso eventual. O evento gerador terá gerado tensão à toa. Ou haverá um sistema de bateria pra acumular a energia e distribuí-la no momento mais adequado? De outra parte, qual a… Read more »

Zorann

Até em carros de passeio já há esta tecnologia de recuperação de energia em frenagens…. No Type 003 há todo um sistema integrado de gestão de energia… portanto qualquer ganho energético, representa menor necessidade de geração de energia.

Burgos

Boa noite !!!
A F1 usa 2 sistemas:Cinético (kers)kynetck energy recovery system e o calórico (Ers) Energy recovery system.
O cinético recupera de todas as partes que se movimenta e o energético recupera de todas as partes calóricas como freio , motor e turbina ambos convertem em Energia e que por sua vez recarregam baterias e posteriormente vão virar um motor elétrico dando um ganho a mais de 70/80cv por 10/15 segundos.
?

Last edited 2 anos atrás by Burgos
Matheus S

Alex, desculpa ter que responder de uma forma rápida, isso porque no momento estou muito ocupado atendendo clientes aqui da Região dos Lagos do caso Glaidson que está acontecendo no momento. Quando eu tiver mais tempo, podemos conversar mais. O AAG assim como o EMALS, tem um subsistema de armazenamento de energia, embora eu não consiga te informar qual sistema é esse. A chance de acontecer uma demanda maior do que a gerada é muito pequena. O Zorann já respondeu isso, pois o sistema elétrico integrado é capaz de gerenciar tudo o que for gerado e demandado das usinas à… Read more »

Alex Barreto Cypriano

Grato. Vou acompanhando o assunto que é interessante.

Matheus S

Esclarecendo algumas coisas referente à isso. O AAG tem como seus sistemas principais: O sistema de condicionamento de energia, sistemas de absorção de energia, amortecedores de cabo e aparelhos de transmissão. No sistema de condicionamento de energia, estão elencados outros tipos de subsistemas: São eles, o sistema de potência principal, o sistema de armazenamento de energia e sistema inversor. O sistema de condicionamento de energia é um componente que distribui, condiciona e controla a energia necessária para operar o sistema AAG. Na versão americana do AAG, não há indicação alguma de que o sistema de condicionamento de energia foi implementado… Read more »

Esteves

Acho que Esteves entendeu alguma coisa. Precisa ler várias vezes. Releituras. Sem entrar na área técnica evitando ser apedrejado, colo: “Estimativas dão conta de que o preço final do Type 003 pode chegar a um pouco mais de ¥50 bilhões – o que representaria cerca de US$7,6 bilhões, essa quantia é a metade do preço de um CVN da classe “Ford”. Se as conclusões estiverem corretas em torno da eficiência total de combate do porta-aviões chinês alcançando uma porcentagem de 80% do mais novo CVN americano, isso pode significar que mesmo as marinhas menores podem ser equipadas com o mesmo… Read more »

Last edited 2 anos atrás by Esteves
Matheus S

Esse é o primeiro navio de uma primeira classe, não dá para colocar como referência o preço do Type 003 como fator imutável, assim como aconteceu com a classe Ford, o Kennedy já é 20%-25% mais barato do que o primeiro navio da classe. Mas não tem por qual razão construir um PA das dimensões de um 003 ou um Ford para países com orçamentos restritivos. Basta construir Type 076(LHA) com uma catapulta EMALS que já se tem uma capacidade limitada de combate do mesmo nível tecnológico do que os grandes PAs mencionados. O Carvalho se eu não me engano… Read more »

Esteves

Sim. Por diversas vezes.

20% de 8 bilhões de dólares…se forem 6 ou 7 é o contrato do PROSUB. Faltam as alas aéreas, o grupo de apoio, escoltas, tripulações, guerra eletrônica. E falta sustentar isso tudo.

Sem falar no apoio logístico em terra.

Melhor pensar em como destruí-los.

Anthony

Bom dia editores!!!

Por favor a, chegando ao final dessa série de reportagens, poderiam criar um post contendo link para as 5 publicações?

Para que não tenhamos q ficar procurando as demais, .

Grato!

Alex Barreto Cypriano

Boa idéia.