Cruzador de mísseis guiados soviético classe Kresta II

Por Alexandre Galante

A União Soviética, que no tempo de Stalin possuía apenas uma marinha costeira, passou a ter mais navios de superfície e mais submarinos do que os Estados Unidos. Assim, o notável crescimento das capacidades navais soviéticas levou ao aumento da presença naval soviética no Atlântico Sul nos anos 1970/80.

A Marinha Soviética apareceu pela primeira vez nas águas do oeste da África em 1969, após Gana ter apreendido dois barcos de pesca de arrasto russos. Em 1970, após um ataque anfíbio pelos portugueses em Conakry (capital da Guiné), a União Soviética enviou um pequeno contingente naval para a região, criando assim a Patrulha da África Ocidental.

A presença soviética na área aumentou significativamente após o colapso do império Africano português e especialmente com a ascensão ao poder do MPLA (Movimento Popular de Libertação de Angola) em Angola. Em junho de 1976, uma força naval soviética foi destacada para a costa de Angola e desde 1977 a União Soviética estacionou uma força permanente de cerca de 12 navios em Luanda.

A União Soviética também fez mudanças qualitativas nos tipos de navios de guerra, particularmente submarinos, operando a partir de portos cubanos. Além de sua presença naval, a União Soviética desenvolveu um sistema de vigilância sofisticado sobre o Atlântico Sul, utilizando aviões de reconhecimento Tu-95 Bear-D operando a partir de Cuba, Luanda e, entre 1971 e 1977, Conakry.

A União Soviética e a Europa Oriental chegaram a ter a maior captura de pesca do Atlântico Sul. Até 1980, ela capturou cerca de 1 milhão e meio de toneladas anualmente, cerca de 18 por cento de sua captura mundial, seguida pela Polônia, capturando 185.000 toneladas anualmente, o que representava 34 por cento do seu total capturado.

Meios navais soviéticos na África

O contingente naval soviético, modernizado durante a guerra de Angola consistia de seis a sete navios, incluindo um cruzador de mísseis guiados da classe Kresta II, um destróier de mísseis guiados da classe Kotlin, um navio de desembarque de tanques Alligator, um submarino de mísseis de cruzeiro da classe Juliett, um navio de coleta de inteligência e dois navios-tanque.

Submarino soviético de mísseis guiados classe Juliett
Cruzador de mísseis guiados classe Kresta-II

Como já mencionado, além das unidades navais, a União Soviética também operava aviões de reconhecimento Tu-95 Bear-D a partir de Luanda e Conakry. Esses aviões, de grande autonomia e capacidade para lançar mísseis antinavio e minas navais, podiam alcançar a costa brasileira, cobrindo as principais rotas de importação de petróleo para os EUA, Europa e Brasil (ver gráfico abaixo).

Bombardeiros Tu-16 também podiam ser empregados, equipados com mísseis antinavio de cruzeiro e supersônicos.

O gráfico acima mostra as principais rotas de transporte de petróleo para os EUA, Europa e Brasil no Atlântico Sul e os alcances das aeronaves soviéticas Tu.95 e Tu-16 operando a partir de Conakry e Luana na África. Fonte: Bonturi, Orlando – Brazil and the vital South Atlantic – 1988
Tu-95 Bear em voo de patrulha marítima
Uma aeronave soviética Tu-16 Badger voa perto de um destróier classe Spruance da Marinha dos EUA

Repercussões

Em 1976, ocorreu a visita do chefe da Marinha da África do Sul, Vice-Almirante James Johnson, ao Brasil e Argentina durante os exercícios navais UNITAS anuais entre os Estados Unidos e vários países latino-americanos. Em uma entrevista no Rio de Janeiro, o Almirante Johnson declarou: “Os comunistas estão transformando a área em um lago soviético… Em qualquer dia você pode ver 30-35 navios soviéticos passando por aqui e não há nada que possamos fazer. Estamos todos sozinhos.”

No mesmo ano, o ministro das relações exteriores da Argentina, Contra-Almirante César Guzzetti, expressou a grave preocupação de seu país de que “o Atlântico Sul poderia ser objeto de uma modificação… que poderia colocar em perigo nossas comunicações marítimas”. Comentando sobre a visita do chefe da Marinha do Brasil, Azevedo Henning, a Buenos Aires em abril de 1976, o jornal argentino La Nación enfatizou a preocupação nas forças armadas sobre a crescente ameaça soviética no Atlântico Sul e a crença de que essa ameaça só poderia ser efetivamente contrariada por ação conjunta e cooperação militar entre Argentina, Brasil e África do Sul.

A vitória do MPLA em Angola, a contínua presença de tropas cubanas na África e o crescimento da influência naval soviética no Atlântico Sul aumentaram a preocupação dos militares brasileiros pela segurança da região. Em dezembro de 1975, o Ministro da Marinha, Azevedo Henning, enfatizou os perigos do expansionismo militar soviético no Atlântico Sul em um discurso amplamente divulgado para a Escola Superior de Guerra.

O que a Marinha do Brasil podia fazer?

NAeL Minas Gerais – A11

O reequipamento da Força Naval brasileira no período da Guerra Fria priorizava a guerra antissubmarino, com base na experiência da Segunda Guerra Mundial com os ataques dos submarinos do Eixo e em face à nova ameaça representada pelo crescimento da frota submarina soviética.

O único navio-aeródromo brasileiro, o NAeL Minas Gerais – A11, não operava aeronaves de caça, portanto não seria capaz de interceptar as aeronaves de patrulha soviéticas que sobrevoassem uma força-tarefa brasileira em alto mar. Da mesma forma, nenhum navio de escolta da MB era dotado de mísseis antiaéreos de defesa de área, para afugentar ou engajar as aeronaves soviéticas.

Com relação aos mísseis superfície-superfície, os mísseis soviéticos eram de muito maior alcance que os Exocet dos navios brasileiros. A ameaça soviética só poderia ser enfrentada com jatos embarcados e navios-escolta dotados de mísseis antiaéreos de defesa de área.

Os caças embarcados só chegaram ao navio-aeródromo brasileiro 10 anos depois do fim da União Soviética e os mísseis antiaéreos de defesa de área até hoje não chegaram aos navios brasileiros.

FONTES:

  • Bonturi, Orlando – Brazil and the vital South Atlantic – 1988
  • McNaught, Pamela J.The United States, the South Atlantic, and Antarctica. Interests and challenges – 1990
  • Cocker, Christopher – The United States, Western Europe and military interventions overseas – 1988
Subscribe
Notify of
guest

30 Comentários
oldest
newest most voted
Inline Feedbacks
View all comments
Emmanuel

“Os caças embarcados só chegaram ao navio-aeródromo brasileiro 10 anos depois do fim da União Soviética e os mísseis antiaéreos de defesa de área até hoje não chegaram aos navios brasileiros.”

Brasil sendo Brasil desde sempre.

Luiz Trindade

Só complementando que hoje é pior… Nem navio-aeródromo temos hoje. Com a MB usando seus caças para complementar a vigilância terrestre do país com a FAB.

Brasil sendo o Brasil de sempre!

Carlos Crispim

Até aí tudo bem com a FAB usando os caças em atividades continentais, o pior é que são aviões da guerra da Coréia, em quantidade pífias, perdemos a oportunidade de comprar o F-18, que ajudariam muitas mais na defesa aérea do Brasil, ou seja, a situação é mais que miserável, é ridícula.

Marcelo

Os caças embarcados só chegaram ao navio-aeródromo minas gerais 10 anos depois do fim da União Soviética e os mísseis antiaéreos de defesa de área até hoje não chegaram aos navios brasileiros.
O Brasil nao é para amadores !!!!

Willber Rodrigues

E lembrando que, na época, a MB pelo menos ainda tinha uma certa quantidade de meios, graças as classes Pará e Garcia, navios da WWII usados da USNavy. Mesmo não sendo a última palavra em tecnologia, ainda tinham serventia.
Hoje, nem quantidade temos…quantidade em navios, quero dizer…

Dalton

Os 4 “Garcias” aqui denominados classe Pará foram construídos na década de 1960
não “WWII” e chegaram ao Brasil apenas em dezembro de 1989 quando a URSS encontrava-se nos seus estertores, colapsando 2 anos depois.

Willber Rodrigues

Quando chegou na parte do “O que a MB podia fazer”, eu já esperava que a gente não poderia fazer muita coisa, mas… ” Com relação aos mísseis superfície-superfície, os mísseis soviéticos eram de muito maior alcance que os Exocet dos navios brasileiros. A ameaça soviética só poderia ser enfrentada com jatos embarcados e navios-escolta dotados de mísseis antiaéreos de defesa de área. Os caças embarcados só chegaram ao navio-aeródromo brasileiro 10 anos depois do fim da União Soviética e os mísseis antiaéreos de defesa de área até hoje não chegaram aos navios brasileiros.” Benza Deus, a gente NUNCA está… Read more »

Fábio CDC

Não precisa escrever nada que o Senhor diz, todos sabemos que estaremos lascados do mesmo jeito Rsssss

Willber Rodrigues

Sabe o pior de tudo? É que, das 3 FA’s, a gente vê que a MB é a com menor “expectatva de futuro” que vemos. Você vê a FAB adquirindo Gripen, negociando 2° lote dele, comprando 100 mísseis BVR, recebendo o 390, modernizando seus meios, você não vê ela com a corda no pescoço com obsolência em bloco de seus meios. O EB, em que pese suas lacunas ( a falta de AA sendo a maior delas ) se mantém, moderniza o que pode aqui e acolá, compra Linces, Guaranis, faz compras via FMS. A MB? Precisa trocar TUDO pra… Read more »

Dalton

Será Wilber ? Marinhas sempre foram e serão os “patinhos feios” porque é mais difícil se ter “quantidade”, navios exigem muito pessoal e também muita manutenção especialmente a medida que envelhecem e se quer mantê-los minimamente relevantes e quando não devidamente cuidados podem colocar em risco dezenas ou centenas de vidas. . Aviões se compram em maiores quantidades e fabrica-los exige menos também mas a espinha dorsal da FAB continua sendo o F-5M e da última vez que perdi tempo pesquisando sobre eles – prefiro aviões navais – a indisponibilidade era bem grande, com muitos passando por modernização ou manutenções… Read more »

Willber Rodrigues

Mas tem um “porém”. Dois, melhor dizendo. Como você mesmo disse, equipamentos pra Marinha são os mais caros. Dê um bilhão pro EB ou FAB, e eles conseguem adquirir MUITA coisa. Dê o mesmo pra MB, e “talvez” ela consiga comprar +1 FCT, mas sem pacote de armas, pois isso exigiria mais milhões. E o fato de, como disse, a MB estar com obsolência em bloco de praticamente todos os seus meios, com todos eles exigindo troca pra ontem, enquanto seus poucos meios atuais já estão fazendo “hora-extra” a muito tempo, exigindo muito mais manutenção e cuidados que meios novos,… Read more »

Last edited 5 meses atrás by Willber Rodrigues
Dalton

Pois é Wilber, mas, “EB” ou “FAB” adquirir “muita coisa” não significa necessariamente que poderão cumprir o que hipoteticamente se iria querer deles, de qualquer forma, não acho justo comparar navios com blindados e aeronaves, cada plataforma tem seu valor. . Na minha visão a FAB com seus poucos F-5Ms, dispensando dezenas de “AMXs” não está em melhor forma e sabe-se lá quanta munição o exército tem, garantiria meses de operação? Acho que não. . A FAB terá “50” “Gripen” e a marinha 4 submarinos novos para citar os meios mais capazes de cada força para o restante da década… Read more »

Sequim

As FCT terão defesa aérea de mísseis? Dessa vez vai?

Dalton

Não serão mísseis de “defesa de área” então por enquanto ainda não! E também não acho que se chegou a ter uma “aviação de caça embarcada” quando se teve em média 4
aviões não modernizados operando por menos de 5 anos basicamente adestramento.

Sequim

Grato pela resposta. Qual a dificuldade de se implantar uma defesa de área na MB? Será tão difícil assim?

Dalton

A maior dificuldade é falta de dinheiro já que sobra pouco do orçamento para investir e até se pensou em construir duas “Niteróis” modificadas com um módico de defesa de área mas ainda válido para as ameaças da década de 1990 mas de qualquer forma seriam apenas dois navios. . Normalmente se precisa de um navio maior a menos que sejam sacrificadas outras funções, por exemplo, as duas “Niteróis modificadas” não teriam hangar para helicóptero e mísseis de longo alcance são mais caros e não faz sentido ter menos do que 20 deles a bordo, há necessidade de sensores mais… Read more »

L Grande

Estranho o Brasil apoiava Angola – MPLA, contra a África do Sul.

Alexandre Esteves

Pragmatismo diplomático da Era Geisel, quando o Itamaraty cumpria a defesa dos interesses nacionais, ao invés de servir a ideologia de um governo.

Samuel Asafe

Não tem nem defesa aproximada que não seja por míssil de curto alcance, quem dirá defesa de área. Meu Deus, a MB das forças com certeza é mais lamentável. Triste ver as decisões dos Almirantes.

Esteves

Obrigado ao Galante por resgatar esse período recente da nossa história. Penso que muitos de nós desconhece o quão perto Estivemos de uma guerra no Atlântico Sul e aqui pouco importa se uma guerra por pescados ou por domínio. Os anos 1970 foram anos de censura e de isolamento. Hoje as guerras e as táticas, as movimentações diplomáticas e a torcida, estão tão próximas das batalhas que é possível acompanhar a imagem e o som. Lembro da pandemia de meningite que interrompeu os Jogos Pan-Americanos que seriam realizados em 1975. Os esqueletos estão lá na Cidade Universitária. Até isso foi… Read more »

Macgaren

Boa!Bom relato, Estevão também é história!

Last edited 5 meses atrás by Macgaren
Esteves

Mac,

Não está sendo fácil.

Esteves

Vendo esses navios soviéticos lotados de antenas e mísseis…Esteves adaptou uma poesia canção enquanto ouvia Lulu. entrada de bateria muito rápida…muito rápida…27 nós. Bombeando sangue Bombeando sangue nos raios de Sol Bombeando óleo nas águas do Mar Que queima e evapora Navegando dentro de um enxame Como abelhas do mar Como abelhas no ar Voando como um enxame Se eu bombear sangue nos raios do Sol Essa será minha intenção Essa será minha missão Que se infiltra através da minha pele Escutando Escutando Você vai adorar as águas O fluxo, as gotas O afluente do meu coração Como eu bombeio… Read more »

Last edited 5 meses atrás by Esteves
soldado imperial

Pra enfrentar adversários navais tanto hoje como no passado a melhor e mais barata solução é submarino! Naquela época a MBrasil poderia ter enviado seus submarinos guppy ex segunda guerra bem como 3 oberons pra dar um trato nesta frota soviética, estou falando de um enfrentamento hipotético claro. Está seria melhor forma de fazer frente. Outra hipótese seria manda o porta aviões Minas com seus Trackers e helicopteros, mais a frota de superfície com os destroyers ex segunda guerra mais as fragatas vosper mk10( com seus excocet e lynx com mísseis de curto alcance) pra enfrentar a frota soviética. A… Read more »

Esteves

Você está perdoado. Todos que devaneiam estão.

Zenótico

No fim de 1972 ou começo de 1973 eu estava em Montevidéu e um navio espião soviético estava atracado no porto, a vista de todos. Oficialmente, era um “navio-auxiliar-isso-ou-aquilo”. Mas a pletora de antenas de vários tipos deixava poucas dúvidas quanto a sua função.

Ciclope

Excelente matéria!

Juarez

Galante, um esquadrão de caça da FAB tem fotos de alguns Bear que andaram pelos nossos costados.

José Rodrigo

Fico rindo do Argentinos, o Almirante falou dos soviéticos mas arranjaram briga com os ingleses, teoricamente aliados. E ainda acharam que os EUA ficariam do lado argentino.
Creio que hoje deveríamos investir em tecnologia, mesmo sendo um pouco atrasada.
Vemos nas guerras modernas o prejuízo causado pelos drones, muito mais baratos que um avião convencional.
Quem sabe um GPS próprio….não custa sonhar.
Mas sabendo que as FFAA são um monte de funcionários públicos preocupados com sua aposentadoria integral….