A história da fabricação de torpedos no Brasil é pouco difundida.  Abaixo, estão trechos do capítulo “Indústria Militar-Naval”, escrito por Hélio Leôncio Martins para o livro História Naval Brasileira – Quinto Volume Tomo II – Rio de Janeiro, SDGM, 1985:

“A 12 de dezembro de 1940 (o Ministro Guilhem) criou a Comissão de Estudos de Torpedos, inicialmente chefiada pelo Capitão-de-Mar-e-Guerra (EN) Mário da Costa Braga e, quando este passou para a reserva, em abril de 1941, pelo Capitão-de-Corveta Américo Jacques Mascarenhas da Silveira.”

“…com a encomenda dos Contratorpedeiros Classe Javari na Inglaterra, foram-nos entregues os planos de recebimento, operação e manutenção dos torpedos ingleses que os equipariam. Utilizando-os, a Comissão resolveu não construir o torpedo completo, mas começar por alguns dos seus componentes. Os Capitães-Tenentes Roberto da Rocha Fragoso e Abel Campbell de Barros, estagiando sucessivamente em fábricas de torpedos norte-americanas, determinaram quais as máquinas necessárias e as adquiriram. A 16 de setembro de 1943, conseguiu-se fazer funcionar com sucesso uma máquina propulsora de torpedo Weymouth (um dos existentes no inventário da MB à época) inteiramente executada no Brasil. Em outubro foram recebidos giroscópios fabricados por uma firma porto-alegrense, que passaram perfeitamente no primeiro teste, sem necessidade de qualquer correção.”

“Neste ínterim, o Almirante Jonas Ingram, Comandante da Quarta Esquadra Norte-Americana, em visita ao Rio de Janeiro, assistiu à máquina funcionar, entusiasmou-se com o que havíamos conseguido sem auxílio exterior e prometou obter desenhos de um moderno torpedo, o que cumpriu, entregando ao Brasil as especificações do torpedo MK XV-Mod. III.”

Torpedo de fabricação brasileira no Museu Naval, no Rio de Janeiro

“Na Ponta da Armação, desde 1943, construíra-se a futura fábrica, onde, a 7 de fevereiro de 1945, os primeiros operários começaram a trabalhar. Mas só pela Lei 93, de 13 de dezembro de 1947 (a mesma que criou a Fábrica da Artilharia), a comissão de estudos cedeu lugar à Fábrica de Torpedos da Marinha.”

“O primeiro torpedo MK XV-Mod. III, de uma série de cinco, foi testado no mar, com êxito, a 19 de outubro de 1954; os três restantes (o número 001 não correu), a 20 de abril de 1955. Fabricado um primeiro lote de dez torpedos, planejou-se um segundo igual. Mas só 17 chegaram ao estágio operativo.”

“Quando, depois da guerra, discutiu-se a conveniência de continuar a produção do MK XV, houve a idéia de também fabricar torpedos para submarinos. Os primeiros planos solicitados aos Estados Unidos foram recusados, porque se tratava de um tipo muito adiantado. Um segundo pedido, objetivando modelo mais modesto, foi também negado, porque era antiquado. Decidiu-se então estudar, por conta própria, um dos torpedos dos Submarinos Classe Tupy, e teve-se a grata surpresa de achá-lo muito parecido com os que estavam sendo fabricados, dependendo apenas de diminuir um pouco o comprimento. Os Capitães-Tenentes (EN) Flávio Monteiro e João Botelho Machado estudaram as modificações a serem introduzidas, o torpedo foi produzido e correu excelentemente”.

NOTA DO EDITOR: Esta história refere-se a uma época em que, sob a gestão do Almirante Henrique Aristides Guilhem, Ministro da Marinha de 1935 a 1945, houve um grande impulso na construção naval militar no Brasil. Apesar do índice de nacionalização dos navios ser praticamente zero, dada as limitações da indústria nacional dos anos 30 e 40, desse esforço frutificou a efetiva implantação do atual Arsenal da Marinha do Rio de Janeiro, com máquinas, técnicas e pessoal qualificado para o padrão tecnológico da época, e destacam-se a construção de seis Navios-Mineiros (depois Corvetas) Classe Carioca, três Contra-Torpedeiros Classe M e seis Contra-Torpedeiros Classe A, entre outros navios, assim como a implantação das Fábricas de Artilharia, de Pólvora e Explosivos, de Minas Submarinas, de Aviões, de Torpedos (conforme esta matéria) e Oficina de Eletrônica, e também de novas bases e diversos melhoramentos na logística – iniciativas que serão objeto de outras matérias como esta.

Em 1947, a assinatura do Tratado Interamericano de Assistência Recíproca – TIAR – trouxe diversas vantagens para a MB no que se refere à obtenção de navios e sobressalentes de origem norte-americana. Mas, em compensação, trouxe desinteresse quanto à atualização das atividades de fabricação. Isto, combinado ao avanço da tecnologia, levou a um longo período de estagnação nessa área, que durou até a década de 1970.

FOTO: lançamento experimental do primeiro torpedo fabricado no Brasil – página 189 da obra citada.

Clicando nos diversos links da matéria, você pode saber mais sobre os diversos navios citados.

Torpedo e mina naval no Pátio d’Armas do Museu Naval no Rio de Janeiro
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Claudio Moreno

Boa noite Senhores!

Esperemos que 2020, o Torpedo Pesado Nacional saia do campo da intensão e vaia-mos para a pesquisa e protótipo.

CM

Filipe Prestes

Pensei que esse projeto estivesse morto ou engavetado como o MAR. Tomara que não, mas dada a situação da MB, creio que há maiores urgências.

Mauricio R.

A males que vem para favorecer o bem, infelizmente o MAR carece de uma industria minimamente capacitada em leva-lo adiante.
Poderia ter sido algo realmente sensacional não somente como vetor ARM, mas quem sabe um SAM com capacidade de ponto estendida ou mesmo médio alcance, um antes e um depois ao Sea Sparrow/Aspide.
E até um AAM BVR na classe do próprio Sparrow ou daquele seu spin-off, o Sky Flash.
Felizmente para o contribuinte pagador de impostos, a realidade se impôs ante a empáfia da industria.
So sorry…

gordo

Fico contente se ficarmos firmes nas encomendas do nosso míssil ar- ar desenvolvido com a Africa do Sul. Quanto a desenvolver um torpedo, só se for com pelo menos mais um parceiro para dividir custos e dar escala nas encomendas. Lá nos anos 40 um torpedo era uma maquina um tanto primitiva, tinha que ser confiável(principalmente na propulsão ), ter boa velocidade e ir em linha reta. Note que ainda assim era um grande desafio, o que dizer hoje(almejamos ser um grande exportador de commodity) em que toda a parafernália eletrônica embarcada que se deve por para torná-lo efetivo nesse… Read more »

Mauricio R.

Torpedos acústicos confiáveis datam de 1943, o norte americano Mk-24 FIDO de emprego anti submarino e os torpedos alemães T4/Falke de uso limitado e T5/Zaunkönig ou GNAT – German Navy Acoustic Torpedo, ambos de emprego anti navio.

Mauricio R.

Pode esquecer, estamos trocando o Mk-48 e indiretamente o Black Shark, assim de cabeça uns 11-12 usuários no planeta, por mais uma geringonça francesa, que somente eles além de nós operarão; o torpedo F-21.

Esteves

Chineses levaram 15 anos para desenvolver e incorporar o torpedo deles. O nosso também. Prazo semelhante.

Prova que não somos inferiores. Pensando bem…bons demais.

Marcelo Baptista

Bom dia não somos ruins ou incapazes, mas definitivamente desorganizados.

francisco Farias

A questão não é ser inferior. A questão é que não se dá valor ao produto nacional. As forças armadas do brasil preferem adquirir qualquer porcaria fabricada lá fora. Com o grippen não será diferente. Fizeram um alarde com a tal da transferência tecnológica, no entanto, após recebermos o último avião comprado, o projeto será abandonado. Com o AMX foi a mesma coisa. Lendo a história dos torpedos fabricados no Brasil verifica-se o mesmo comportamento. E quem não se lembra do contrato de fabricação dos sub Alemães? quando passaram a ser construídos aqui no Brasil o projheto foi abandonado e… Read more »

Cristiano de Aquino Campos

Muito bom.
Quanto a escala, 5 submarinos, 12/18 torpedos por submarino, dá 60/90 /
Tirpedos pesados. Se for torpedos leves, que são lançados pelos navios e helicopteros, dá se não me engano 12 por navio.
Acho que teriamos escala de produção sim.

Dalton

Não há necessidade de se ter torpedos suficientes para todos os submarinos do inventário, nenhuma marinha os tem, sempre há submarinos passando por manutenções, algumas de longa duração e não há necessidade de armamento para submarinos em fase inicial de treinamento. . Quando um submarino retorna a base após uma missão se estiver programada uma manutenção o armamento é descarregado, devolvido ao paiol e repassado a outro submarino e esse armamento pode incluir mísseis anti navios que ocupam o lugar de torpedos e a marinha brasileira pretende incorporar tais mísseis nos futuros submarinos. . Vale a pena investir em um… Read more »

Cristiano de Aquino Campos

Se entendi direito, estavamos fazendo como os chineses, usamos tecnologia reversa e inicios a construção de um torpedo nacional que nós daria indepedência más, somos Brasil e deixamos a carroagem da história passar e hije criticamos a China por não ter feito o mesmo que nós.

Alex Barreto Cypriano

Critica-se a China por temas mais graves que mera pirataria industrial – e o desenvolvimento local, após reiteradamente negados pedidos por artigos up to date, não é o mesmo que espionagem industrial do topo da linha do concorrente (ou inimigo, na -única- linguagem que militares entendem). A América fez muito pelo mundo e só recebe hostilidade; a China, que não faz nada, têm admiradores…

cerberosph

Na historia humana a china fez mais pelo mundo do que a america

Alison Lene

Engraçado é que um cara destes acredita de vdd que é imparcial… cada uma…

Alex Barreto Cypriano

Não sei se você reparou, Alison, no que respeita à China (atual), não fico em cima do muro – e isso não é parcialidade, é decisão etica-moral. Parcialidade é misturar alhos com bugalhos pra defender o indefensável: quando falei que ela não fez nada, não me referi às conquistas do passado distante, mas aos fatos contemporâneos. E se isso é pouco, pense na sua ideia de direitos individuais, liberdade e igualdade e vai perceber que ela não tem nenhum olho puxadinho…

JT8D

Irônico que provavelmente você tenha escrito isso usando um celular ou computador cheio de componentes fabricados na China

francisco Farias

Todos fazem isso. Os norte-americanos e russos desenvolveram suas indústrias bélicas e aéreo-espacial a partir de projetos de cientistas alemães, que em 1945 já tinha protótipos de asas-voadoras e aviões a jato.
No final da guerra a corrida em busca de arquivos e projetos alemães foi enorme (entre russos e yankes)

Jonathan Pôrto

Oooooh que legal !!! Entendedores entenderão

Haroldo A Fiocco

Desde 1970 um retrocesso nas nossas capacidades intelectuais, indústriais.

Wilson França

Quem vive de passado é museu.

Dalton

Talvez seja ignorância minha ou esquecimento já que vivi os anos1970 como adolescente e já interessado em navios e na marinha brasileira, mas, foram construídas apenas duas fragatas que apesar de anti submarinas (A/S) nunca nem receberam o sonar de profundidade variável das outras duas (A/S), um grande salto sem dúvida, mas, foram apenas duas. . Em compensação foi adquiridos dos EUA, 8 velhos contratorpedeiros de pouco valor militar, 2 “Gearing” modernizados, mas, com o “ASRoc” inoperante, 4 “Allen M Sumner” menos modernizados, outro não modernizado e mais um “Fletcher” para fazer companhia a outros 6 mais antigos e o… Read more »

Gilmar

Perfeito Dalton.
“Boas intenções” que contribuiram para o atraso de nossa industria de defesa.

Foxtrot

Pois é!
É o que sempre escrevo aqui, “que saudades dos militares de antigamente”.
Mesmo com tantos desafios e baixa tecnologia da época, conseguiram façanhas incomensuráveis.
Os de hoje, com tanto recurso humano e tecnológico, maquinário e meios de computação, só sabem importar ou desistir de produtos nacionais por equipamentos importados.
Até parece que estão jogando contra a indústria nacional.
Vide exemplos recentes da CCT, MAR-01, Falcão Avibras, Guará 4WS etc etc etc.
Parabéns aos militares e MB de outrora, grande exemplo para a MB e comandantes de hoje.

José Luiz

Israel por exemplo optou em produzir suas munições como mísseis em detrimento de construir seus navios e caças. Isso ajuda muito em caso de um embargo de armas em um conflito bem como a manter um arsenal viável, visto que, mísseis e torpedos tem vida útil e no mínimo precisam ser revalidados com a substituição de componentes que se deterioram quimicamente como baterias, propelentes e explosivos. Agora para um país que se dispõem a construir um sub nuclear não ter na sua história um torpedo nacional é bem estranho. Pelo menos há alguns anos a empresa CONSUB produziu minas navais.… Read more »

JT8D

Não é surpreendente para mim que uma fabrica militar de torpedos não tenha prosperado. Aliás as palavras “fábrica” e “militar” não combinam, exceto, talvez, em tempo de guerra. Acho até válido que institutos de pesquisa militares desenvolvam novos armamentos, mas esse conhecimento deve em seguida ser repassado à indústria privada nacional para que esta se encarregue da produção. O problema insolúvel é a baixa demanda por parte das nossas forças armadas, incapazes de colocar encomendas suficientes para manter abertas as linhas de produção. Não é à toa que um dos poucos casos de sucesso de nossa indústria de defesa foi… Read more »

Mauricio R.

Isso foi possível graças a compra da tecnologia do AMX, pela União.
Foi a tecnologia do avião italiano, que tornou esse sucesso possível.

JT8D

Pode ser, mas o ponto é que se o próprio governo tivesse mantido a fabricação de aviões sob sua responsabilidade (como fez a Argentina com a FMA/Fadea) o resultado teria sido muito pior

Carlos Eduardo

O problema não é a falta de demanda, e sim a falta de vontade política e também militar de gerar demanda. Militarmente, você gera demanda ou através de do uso em combate, ou queimando estoque velho e treinamento, ou na expansão dos meios e estoques. Pra variar, nossas FFAA’s não fazem nenhuma das três coisas. Nossos militares preferem ficar na sua zona atual de conforto, reclamando da eterna falta de verba, e cuidando de seus currais, mas nada muda nas 03 forças. Gastamos milhões esses dias atrás pagando uma divida com a ONU, mas ai eu pergunto, porque não sentamos… Read more »

JT8D

Tudo muito simples, né? Tudo fácil de resolver, é só acabar com a má vontade do militares e viramos uma potência. Será que todo o resto do país que não funciona também é só por má vontade? Candidate-se a presidência, você tem meu voto

Carlos Eduardo

Respondendo, sim… infelizmente é má vontade. É ma vontade dos políticos agirem em prol do país, mesmo que isso contrarie seus interesses. É ma vontade dos presidentes realmente governarem em prol de uma aliança nacional, ao invés de ficar jogando desculpas em este ou aquele (isso vale para todos os presidentes que passaram até agora). É ma vontade do Judiciário agir realmente com justiça, cortando privilégios e atacando suas feridas internas. É ma vontade de centenas de servidores públicos que agem com desdem em suas atividades diárias, e que estão lá apenas para bater ponto. É ma vontade do povo… Read more »

Carlos Eduardo

Mais um fato que reforça oque ja venho dizendo. A MB, assim como a maioria dos comentaristas sonham com SUBNUC, PA e outros meios modernos, mas não fazemos nem mesmo o mínimo do dever de casa básico. Quando a guerra bater a nossa porta (e ela vai chegar, podem ter certeza), seremos pegos de calças curtas e sem bala na agulha, pois menosprezamos a produção nacional, e ficamos naquela de acreditar que o grande irmão do norte irá vir em socorro, como foi na II WWW. Mas não se enganem, o mundo é outro, e nossos aliados não terão e… Read more »