O Atlântico Sul no Contexto Sul-Americano de Segurança e Defesa

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Atlântico Sul já foi rota marítima obrigatória rumo ao Índico e ao Pacífico, até que a abertura dos canais de Suez (1869) e do Panamá (1914) concentrasse o fluxo do comércio marítimo ocidental no Mediterrâneo e no Atlântico Norte. Durante o Século XX, o Atlântico Sul permaneceu como “o mais pacífico dos oceanos”, apesar de algumas ações isoladas de superfície, nas 1ª e 2ª guerras mundiais, e da campanha submarina do Eixo, na 2ª Guerra Mundial.

O Atlântico Sul voltou a ganhar certa importância na época dos superpetroleiros, durante os anos 70 do século passado, em função da primeira crise do petróleo e da interrupção temporária do tráfego de navios pelo Canal de Suez. Entre abril e junho de 1982, tornou-se cenário de um conflito armado entre Argentina e Reino Unido, pela posse das ilhas Malvinas (Falklands). É provável que o longo isolamento geopolítico deste oceano esteja chegando ao fim.

O incremento da produção petrolífera das reservas localizadas nas bacias sedimentares dos litorais da América do Sul e da África Ocidental pode aumentar a importância estratégica do Atlântico Sul, contribuindo para a redução da dependência dos Estados Unidos e demais países ocidentais em relação ao petróleo do Oriente Médio.

Sem incluir o potencial do présal brasileiro, a produção diária de petróleo no mar na América do Sul pode crescer de 2,5 milhões de barris em 2005 para 6,1 milhões de barris até 2030 (crescimento de 144%). No mesmo período, a produção no litoral da África pode passar de 4,9 a 12,4 milhões de barris por dia (crescimento de 153%).

O aumento do comércio internacional, cada vez mais dependente do transporte marítimo, levou à estruturação de um sistema fortemente globalizado e essencialmente transnacional de uso econômico dos mares. O símbolo de tal sistema é o contêiner de dimensões padronizadas, empregado quase universalmente no transporte de cargas dos mais diferentes tipos.

Qualquer que seja sua bandeira, o navio mercante frequentemente é propriedade de um conglomerado multinacional, enquanto que a carga pertence a outro e o seguro é feito por um terceiro. A tripulação geralmente procede de diversos países. A qual país caberia dar proteção ao navio e sua carga, assim como à tripulação, contra possíveis ameaças?

A complexidade da tarefa de garantir a segurança do tráfego marítimo e das atividades ligadas ao uso econômico do mar, em escala global, sugere a adoção de soluções cooperativas. Isto se justifica, pois a segurança de cada nação está cada vez mais ligada à segurança do sistema internacional e pode ser afetada por qualquer ameaça ao uso dos mares.

Atualmente, mais de dois bilhões de pessoas vivem à distâncias de até 100 km de uma linha costeira. Pelos mares circulam aproximadamente 50 mil navios de porte oceânico, que transportam 80% do comércio mundial. Todos os anos, quase dois bilhões de toneladas de petróleo (60% de todo o petróleo produzido) são transportados por via marítima.

As rotas marítimas de interesse imediato para o Brasil incluem a da América do Sul, com ramificações para o Pacífico, a América do Norte e a Europa, e as da África Ocidental e do Cabo da Boa Esperança. Contudo, nossos interesses comerciais estão se deslocando para a Ásia e passando a incluir países como China, Japão, Índia, Coréia do Sul e Indonésia.

Os interesses marítimos do Brasil não estão limitados à área vital, constituída pela “Amazônia Azul”.

A área primária de influência do Poder Naval brasileiro abrange todo o Atlântico Sul, entre a América do Sul e a África, bem como parte do Oceano Antártico. A área secundária inclui o Mar do Caribe e parte do Pacífico Sul, nas proximidades do litoral sul-americano.

O Brasil necessita de uma Marinha oceânica, capaz de operar em toda a extensão do Atlântico Sul, contando para isso com os meios e a capacidade de apoio logístico necessários. É essencial que o Brasil disponha de meios diversificados, para exercer a vigilância e a defesa das águas sob jurisdição nacional, bem como manter a segurança das linhas de comunicação marítima.

A pirataria é uma grave ameaça ao uso pacífico dos mares, que pode tornar necessário o emprego de forças navais. No Atlântico Sul, até hoje só foram confirmados ataques a navios no litoral de países africanos situados no Golfo da Guiné. Nos últimos anos, a maioria dos casos tem ocorrido na região conhecida como “Chifre da África” (Golfo de Áden e litoral da Somália).

A proteção das atividades marítimas em escala global excede a capacidade de um só país, mesmo se for uma superpotência. Por isso, a Marinha dos EUA lançou, em 2005, a iniciativa denominada Parceria Marítima Global (mais conhecida como “A Marinha dos mil navios”), confirmada pela nova Estratégia Marítima norte-americana em 2007. A interrupção de atividades marítimas vitais pode causar sérios danos à economia do Brasil. Além de incrementar a cooperação com a Parceria Marítima Global, é de extrema relevância para nosso País envidar esforços em favor da constituição de uma “Parceria Marítima Regional do Atlântico Sul”, envolvendo as Marinhas de ambos os lados deste oceano.

O Poder Marítimo de uma nação pode ser definido como a capacidade que esta tem de utilizar o mar em benefício de sua soberania e de seus interesses nacionais. Ao Poder Naval, componente militar do Poder Marítimo, compete prover a segurança dos demais componentes deste poder, em tempo de paz ou de guerra.

A natureza do Poder Naval é dupla, pois este é também o componente marítimo do Poder Militar. No Brasil, país-continente que tem pouca mentalidade marítima, embora tenha amplos interesses marítimos a defender, é comum o erro de considerar a Marinha de Guerra apenas como parte das Forças Armadas.

O Brasil deve desenvolver uma estratégia marítima de âmbito mundial, capaz de viabilizar um ciclo sustentado de crescimento econômico e desenvolvimento social. Em tal contexto, caberá ao Poder Naval, revitalizado e fortalecido, garantir a segurança dos demais componentes do Poder Marítimo brasileiro.

Eduardo Italo Pesce – Especialista em Relações Internacionais, professor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro e colaborador permanente da Escola de Guerra Naval.

Fonte: Monitor Mercantil Digital

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Eduardo dos Anjos

É queridos amigos, as dimensões do Brasil exigem uma marinha a altura, é uma pena o governo investir tão pouco… é preciso ter capacidade dissuasiva, do contrario abrimos precedentes para interesses escusos dos demais países, vide os EUA que não assinaram a CONVEMAR e relatos de caças ilegais de navios Baleeiros japoneses perto das aguas de nossa jurisdição, se tivermos tal capacidade pensarão duas vezes ao tentarem algo…

Edu Nicácio

Sóóó lá pra 2030/2040, se tudo der certo… Até lá, a nossa Marinha ficará às minguas, com orçamento contingenciado para garantir o “superávit primário” e com navios dando baixa um atrás do outro…

Qual a possibilidade de o Brasil construir, em curto prazo, 4 corvetas classe Barroso modernizadas + navios de apoio logístico para essa empreitada “Marinha de 1000 navios”??? Já seria algo…

MVMB

Matéria muito interessante. Avaliação concisa e precisa.

Em meu entendimento, um dos maiores problemas é o “gigantismo” que querem atribuir a Marinha.
dado que ” do lado de lá” (Africa) a situação é muito pior que a nossa, o MD/MB acha que deve ser o “bastião” defensivo do AS. Não temos meios/pessoal nem para defender a ZEE/aguas territoriais, quiça projetar poder sobre um oceano inteiro.

Rodrigo

MVMB disse:
16 de novembro de 2010 às 9:41

Eu vejo este gigantismo vindo mais dos marinheiros do lado Paranoá e seus ultra-delírios do Brasil potência imperialista, do que uma viagem na maionese da turma que está no cais por exemplo, que são plenamente conscientes das suas capacidades ou falta delas.

Juarez Castro

Pois é Rodrigo! Uma coisa é que os “marinheiros” de gabinete, principalmene aqueles que hoje empurram cadeiras ao invés de agua em BSB ficam alardeando besteiras, asneiras e sonhos aos quatro ventos pelos foruns Brasil afora, enquanto que a realidade de quem está na área operacional carregando piano é muiiito diverente. Quando se comenta com algum oficial da MB sobre a mirabolagens cantadas em proza e verso por este cidadão, o pessao da esquadra tem acessos de risos…….mal conseguem gente para provisionar o0s navios que tem quiça estes delirios…..

Grande abraço

Giordani RS

“O Brasil necessita de uma Marinha oceânica, capaz de operar em toda a extensão do Atlântico Sul, contando para isso com os meios e a capacidade de apoio logístico necessários. ”

E me vem a memória a “guerra da lagosta” aonde as deficiências e carências fizeram-se presentes…ops! Isso foi à 50 anos atrás!

🙁

Gilberto Rezende - Rio Grande/RS

Um dos melhores artigos em algum tempo, a verdade é que o Brasil TEM DE POSSUIR uma MARINHA no mínimo do mesmo tamanho da sua participação mundial. Isto significa que, se os estudos atuais que apontam o BRASIL como 5ª maior economia do mundo por volta de 2025 (estudo da PricewaterhouseCoopers divulgada na revista inglesa The Economist, no famoso número com a capa do Cristo Redentor-Foguete) se realizarem, não só a MB mas TODAS as FFAAs do Brasil deverão ter o 5º orçamento e o 5º poder militar CONVENCIONAL do mundo… NO MÍNIMO!!! Isto é uma coisa que os políticos… Read more »

grifo

O Brasil necessita de uma Marinha oceânica, capaz de operar em toda a extensão do Atlântico Sul,

Sinceramente, gostaria de entender o motivo para tal afirmação.

Como o próprio artigo menciona, a ocorrência de pirataria se dá apenas em faixas litorâneas. Não caberia ao Brasil então proteger o seu próprio litoral, ao invés de pensar em operar em toda a extensão do Atlântico?

Edu Nicácio

Gilberto:
“5º poder militar CONVENCIONAL do mundo…”

E se não for possível, que venham nukes e mísseis balísticos…

Eduardo dos Anjos

O problema é politico, deveria desvincular do meio politico tais decisões de compra (video lula e os rafale), a decisão tem que se exclusivamente das FAs, como na grande maioria dos paises, mas é Brasil neh… dureza…

Galileu

Quem bom que sabem, bom quando tomar uns petelecos, não vão dizer que não sabiam ahahaha

Gilberto Rezende - Rio Grande/RS

Edu, concordo em tese, mas isso tem de ser feito com MUITO CUIDADO E HABILIDADE DEPOIS, DEPOIS, MAS SÓ DEPOIS DE SE ALCANÇAR O PODER MILITAR…

Ivan

Aos amigos internautas,

Eduardo Italo Pesce tem vários textos no cyberespaço, é só procurar.

Segue um que acho interessante, no link abaixo:
http://www.mar.mil.br/diversos/Artigos_selecionados/MB_perspectivas.pdf

Abç,
Ivan, do Recife.

Ivan

Edu Nicácio, Seu entusiasmo é contagiante. E entusiasmo é o primeiro passo para perseguir e alcançar um objetivo. Contudo, para se alcançar qualquer objetivo é necessário planejamento e agir por etapas, ou, se preferir, “por partes”, no melhor estilo Jack… he he he. Assim sendo, acredito que inicialmente a MB, juntamente com a FAB, tem que desenvolver duas capacidades inicialmente: 1º – Negar o uso do Mar a uma força hostil – ou seja, ser capaz de atacar efetivamente uma esquadra que avance sobre nosso mar territorial, zona econômica exclusiva (ZEE) e plataforma continental; 2º – Ter controle marítimo desta… Read more »

Rodrigo

grifo disse:
16 de novembro de 2010 às 12:47

Isto é a projeção de poder que os comunas locais se referem, seria utilizando bases em outros países.

Ai eu pergunto…
Isto não é a mesma coisa que os gringos fazem e a vermelhada local não os cansa de chamar de imperialistas ?

😀 😀 😀 😀

Vader

Belo texto. Interessante a distinção entre Poder Naval e Poder Marítimo. Aprendi uma excelente. Parabéns ao autor. Parabéns ao Naval. Mas antes de ver uma “Marinha de Guerra Oceânica”, já me daria por feliz de ver os portos brasileiros dando conta do volume de cargas que se-lhe apresentam. É lamentável ir a Santos/Guarujá e ver a orla marítima coalhada de navios até onde a vista alcança (e além), aguardando semanas para atracar no porto. Ver ano após ano filas de dezenas de quilômetros de caminhões querendo descarregar, principalmente em Santos e Paranaguá. E mais lamentável ainda é ver a completa… Read more »

André

O Brasil é o país dos contrastes.Ter pretenções ambiciosas como ser uma das cinco maiores economias do mundo e não ter uma força militar que dê respaldo a esse objetivo, é insanidade. Quando se fala em mentalidade marítima brasileira então, é absurdo! Além do exemplo do Vader sobre a péssima infraestrutura portuária, ainda tem pessoas que atendem ás ordens do greenpeace para protestar contra o submarino nuclear. Um desses ambientalistas diz que o Brasil não precisa desse tipo de tecnologia e que não temos inimigos para isso (como se existisse inimigos para geração de energia), além das críticas sobre o… Read more »

@wagner

Acho que uma AV-MF para nós é mais que suficiente, e muito mais barata, do que a viagem na maionese desse artigo…
Esses caras escrevem essas coisas só para justificar o proprio emprego.
A propria marinha já é um cabidão de emprego…

sergio

Sugiro a todos a leitura do seguinte artigo:

A retomada da indústria naval e a soberania

http://www.rodrigovianna.com.br/outras-palavras/beto-almeida-a-retomada-da-industria-naval-e-a-soberania.html#more-5176