Biocombustíveis na US Navy – Grande Frota Verde na rota da controvérsia

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Demonstrações recentes da Marinha americana durante os exercícios da Rim of the Pacific (RIMPAC) 2012 contaram com um porta-aviões e todo um grupo de caça abastecidos com biocombustíveis e outras formas de energia ecológicas. Mas o ímpeto da energia alternativa, encabeçado pelo secretário da Marinha, Ray Mabus, passou a sofrer críticas de detratores poderosos.

Compromisso da Marinha com os biocombustíveis

Cinco navios iniciaram o RIMPAC 2012 abastecidos com uma mistura de meia parte de óleo diesel ou combustível para aviação, misturados a aproximadamente 2 bilhões de litros de biocombustível produzido a partir de óleo de cozinha, gordura animal e algas.

Essa não é a primeira incursão da Marinha estadunidense no campo da energia ecológica. Por exemplo, em outubro de 2010 um barco para operações ribeirinhas foi colocado em teste no estado da Virginia – abastecido com combustível 100% à base de algas – e não demonstrou nenhuma queda perceptível em sua performance.

Mas a mudança para as energias alternativas parece, a princípio, vir com um preço bastante pesado.

Com um valor total de 12 milhões de dólares, os biocombustíveis usados para abastecer a chamada ‘Grande Frota Verde’ custam em torno de quatro vezes mais do que os tradicionais. Os críticos da iniciativa usam esse argumento para a atacar o secretário Mabus e seu programa de energia ecológica – que, até 2020, prevê diminuir pela metade a dependência da Marinha em relação aos derivados de petróleo.

Conservadores a postos

Legisladores mais reacionários ultimamente manifestaram forte oposição às várias iniciativas militares direcionadas aos biocombustíveis. Ao emitir relatório sobre o orçamento do Pentágono para o ano que vem, o House Armed Services Comitee, se opôs à compra de qualquer combustível alternativo que custasse mais do que “combustíveis fósseis tradicionais”.

Esses detratores argumentam que não se trata de um jogo de poder, nem de uma tentativa de sufocar a indústria nascente dos combustíveis ecológicos. O deputado Randy Forbes alega que “é uma questão de prioridades” – no caso a prioridade seria abastecer navios, aeronaves e dar apoio avançado às tropas servindo no exterior. Mas a realidade é que, caso a legislação conservadora seja aprovada, as restrições inviáveis à produção de biocombustíveis esmagarão essa micro-indústria antes que haja oportunidade de ela se desenvolver. Adicione-se também o poder político, financeiro e estrutural da indústria petrolífera, que existe há um século e meio, e fica claro o desafio de estabelecer uma indústria capaz de competir com os combustíveis fósseis.

Em 2010, um oficial anônimo do Pentágono teria declarado em email enviado a Noah Shachtman, membro do instituto de pesquisa independente The Brooklin Institution, que “desenvolver combustíveis não-derivados de petróleo não altera a vulnerabilidade das Forças de Defesa… Estrategicamente, nós sempre conseguiremos petróleo – pode custar caro, mas conseguiremos… O que reduzirá nossa vulnerabilidade é diminuir a demanda, não substituir um combustível por outro”.

Enquanto o consumidor civil pode economizar combustível, o Departamento de Defesa (DoD) norte-americano não pode. A American Veterans (AMVETS) – uma das maiores organizações de veteranos dos EUA – Afirmou que as operações atuais demandam cada vez mais energia. Além disso, uma indústria doméstica de biocombustível seria muito mais segura do que depender de um mercado de petróleo cada vez mais volátil. Esse argumento é o mesmo da tese de Mabus, de que uma indústria de combustível alternativo garantiria a segurança energética da Marinha ao eliminar a dependência do petróleo fornecido por regiões instáveis do mundo.

Não é apenas dinheiro

O senador John McCain, republicano e membro do House Armed Services Comittee, declarou que os biocombustíveis não são apenas um gasto impraticável, mas que não é papel da Marinha “promover inovações”.

Mabus concorda com McCain – não é uma questão apenas de preço, e sim das razões mais variadas: “Nós simplesmente compramos muito combustível fóssil de lugares que são ou podem vir a ser instáveis. Nunca deixaríamos esses países construírem nossos veículos, mas eles determinam se esses veículos irão operar, já que adquirimos tanta energia desses locais”

A AMVETS acredita que essa situação pode ser resolvida através de “uma indústria doméstica que produza biocombustíveis a um custo competitivo, o que reduziria nossa dependência de petróleo e manteria o dinheiro do contribuinte em solo nacional”. A organização vem apoiando fortemente a passagem para as energias alternativas. A AMVETS refutou a afirmação do deputado Forbes sobre o impacto negativo dos biocombustíveis nas operações militares ao emitir dados de que “em 2011, o Pentágono teve um aumento de 26% nos gastos com combustível em relação ao ano anterior”.

“Para arcar com esse aumento não previsto, o Departamento de Defesa teve que deslocar 3,6 bilhões de dólares do orçamento anual, o que sacrificou equipamentos novos e melhor treinamento para nossas tropas”.

Ignorando os picos de preço do petróleo

Análises feitas pelo Computer/Electronic Accommodations Program (CAP), ligado a DoD americano, mostram que o pico mais recente no preço do petróleo custou 123 milhões de dólares a mais ao Departamento, em relação à compra de combustível no mesmo período do ano passado. Daniel Weiss, diretor de estratégias climáticas do CAP acrescentou: “não há previsão para o fim dos impactos dos altos preços do óleo nas contas do DoD. Segundo estatísticas do Departamento de Energia, o preço do barril no mundo será de 145 dólares em média em 2030. Atualmente o preço oscila entre US$85 e US$110”.

Há alguns meses, Ray Mabus se opôs enfaticamente às declarações do deputado Randy Forbes sobre o debate dos biocombustíveis ser uma questão de “prioridades”. O secretário informou ao Subcomitê de Água e Energia do Senado americano, que o argumento de Forbes se baseia em uma “escolha falsa” entre mais navios e uma fonte diferente de combustíveis. Sem um fornecimento alternativo de energia e “uma reserva doméstica segura a um preço possível”, esses navios extras seriam dependentes de um suprimento não confiável, o que eliminiaria o benefício de tê-los.

Weiss também foi rápido em rejeitar os argumentos: “o deputado Forbes alega estudos que mostram que os biocombustíveis sempre serão mais caros que os tradicionais, mas a compra de pequenas quatidades desse material pelo DoD para fins de pesquisa e desenvolvimento já reduziu dramaticamente o preço, já que os fabricantes implantaram sistemas de linha de produção”. O diretor também coloca que, segundo Mabus, o custo do biocombustível já caiu pela metade nos últimos dois anos.

Para Lawrence Korb, membro sênior do CAP e ex secretário assistente de Defesa durante o governo de Ronald Regan, apesar do argumento de McCain de que uma indústria de biocombustíveis alavancada pela Marinha seria impraticável, há outras formas de o Pentágono reduzir despesas. Korb esboçou cortes responsáveis que poupariam 600 bilhões de dólares ao longo de 10 anos sem fragilizar a segurança nacional. Um exemplo é que o orçamento proposto pela House Armed Services Comittee apresenta “projetos de estimação”, como a iniciativa no valor de 5 bilhões para construir um sistema de defesa antimísseis na Costa Leste americana – algo que os próprios militares não querem.

A Marinha como promotora de inovações

Daniel Weiss também atestou que McCain está errado ao argumentar que a Marinha não deve fomentar inovações: “os ataques recentes aos esforços da Marinha para inovar e reduzir a dependência do petróleo são contrários ao longo e histórico apoio aos avanços na área energética promovidos pelo DoD. O objetivo da Marinha de utilizar biocombustíveis para abastecer até metade da demanda não-nuclear até 2020 é parte dessa tradição”.

A AMVETS também aponta que esse pensamento visionário não é de forma alguma inédito, e que, enquanto nação, os Estados Unidos vêm respondendo aos desafios de garantir a capacidade doméstica de produzir materiais vitais. Dentre os exemplos citados estão o surgimento da indústria de chips de computador e a produção nacional de tiânio e alumínio.

O Pentágono, e consequentemente a Marinha americana, estão na posição perfeita para alavancar esse tipo de inovação, pois são as instituições – exceto os Estados nacionais – que mais consomem petróleo no mundo. Vale salientar o comentário que Ray Mabus fez em entrevista recente à agência Reuters: “a Marinha esteve na dianteira da inovação energética durante [mais de] cem anos… Na transição da vela para o carvão, e para o petróleo, e então a propulsão nuclear. Do anos 1850 aos 1950…  Em todas as ocasiões houve detratores. E em todas as ocasiões, esses detratores estavam errados, e estarão errados dessa vez também”.

FONTE: Naval Technology

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giltiger

Não há problema algum em utilizar combustível VERDE, mas se ele acaba saindo mais caro e é mais difícil de obter a nível global isso passa a ser ao invés de uma solução dois tiros (um em cada pé) na sua logística. Custo que drena teus recursos e aumenta a dificuldade de fornecimento do combustível ainda mais numa marinha de âmbito global como a americana! Se os navios “verdes” SÓ usarem combustível verde é péssimo negócio. Aqui no Brasil e na Marinha Brasileira só pénsamos em FROTA FLEX-FUEL como no programa do álcool-combustível onde se descobriu com MUITA DOR que… Read more »

Observador

Pior que é verdade. O petróleo só passou a ser usado largamente como combustível a partir do momento que substituiu o carvão nas marinhas de guerra. Porém, no caso da troca do petróleo pelo carvão, as vantagens eram evidentes: o combustível ocupava menos espaço, as máquinas esquentavam mais rápido, tinham mais potência e permitiram a redução da tripulação, pois muitos eram foguistas e encarregados de transportar o carvão. Já o combustível verde tem como principal argumento apenas a falta do petróleo em caso de guerra no Oriente Médio. É muito pouco para justificar a mudança. Por último, acho que o… Read more »

daltonl

“Mister Mabus” não está errado e nem tentou diminuir a Royal Navy, pois ambas as marinhas compreenderam as vantagens da transição do carvão para o óleo ao mesmo tempo, portanto a US Navy estava na vanguarda também. Um exemplo é que, os primeiros grandes navios, encouraçados, designados desde o inicio para funcionarem a base de óleo, a classe Nevada da USN e a classe Queen Elizabeth da RN tiveram suas construções iniciadas no fim do mesmo ano de 1912, mas os estudos são ainda mais antigos. A transição britanica pode ser considerada mais audaciosa, pois eles possuiam grandes reservas de… Read more »

Observador

Admiral Dantonl: A fonte da informação sobre a RN eu retirei do livro “O Petroleo – Uma História Mundial de Conquistas, Poder e Dinheiro”, de Daniel Yergin, que é praticamente uma biografia da indústria petrolífera. Não que a sua informação esteja errada. Longe disto. Creio que o livro colocou a RN como a pioneira porque era ainda a marinha mais numerosa e poderosa na época e, como esta precisou manter reservas de óleo em cada uma das bases e portos de suas colônias, acabou disseminando o uso do óleo combustível pelo Mundo. Já o livro aponta a RN como pioneira… Read more »

daltonl

Observador…

não era ainda a kriegsmarine, esta é a da II Guerra, mas sem duvida os boatos infundados de que os alemães estariam fazendo a transição do carvão para o óleo, alarmaram muito mais os britanicos do que os americanos acabando de vez a controversia.

Na verdade, os alemães continuaram se valendo de navios movidos à carvão, ou usando propulsão mista, óleo e carvão durante toda a I Guerra, nada comparável ao que a RN e a USN possuiam em matéria de propulsão.

abs

Observador

Caro Dantonl:

É verdade.

É que “kriegsmarine” significa literalmente “marinha de guerra” em alemão.

Assim, não me preocupei em usar o nome oficial “Kaiserliche Marine” (Marinha imperial).

Sobre a RN, esta começou a usar o óleo com a classe Tribal, já em 1905.